domingo, 1 de setembro de 2024

Quem vê caras não vê orações

Foto Hernâni Von Doellinger

Um daqueles famosos restaurantes de peixe na brasa aqui ao lado, na Rua Heróis de França, Matosinhos, estais a ver, já vos chegou o cheiro? Ainda é cedo. Pouco passa das oito da manhã, uma velhinha varre cerimoniosamente a esplanada que por acaso é passeio ocupado com ordem municipal. Asseada como se fosse domingo, a velhinha, corpo franzino, cabelos brancos de neve, ajeitados à moda da televisão, uma carinha doce, redonda como um minúsculo sol resplandecendo bondade, olhos apontados ao chão, espertos, criteriosos, os olhos, a velhinha varre varre, vagarosa e competente. Varre varre vassourinha, se varreres bem dou-te um vintém, se varreres mal dou-te um real. Se os anjos varressem e fossem velhinhas, e competentes, eram ela certamente e varreriam assim mais ou menos. A rua naquele sítio àquela hora éramos a velhinha e eu. Eu, que venho de mercar sardinhas madrugadoras e vivas, estremeço de comoção.
Varre varre a velhinha doce e cerimoniosa, olhos espertos e belos. Olhos que não enganam. Bondosos. Cara de sol, de anjo. E diz, a velhinha, como se fosse um mantra ou, vá lá, a recitação do terço: - Filhos da puta! Era mas é fodê-los! Mandá-los a todos prò caralho! À puta que os pariu!...
É. Ninguém diga que está livre.

P.S. - Hoje é Dia Mundial de Oração pelo Cuidado da Criação.

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