A minha rua adoptiva, em Matosinhos-sur-Mer, é território de gatos e
gaivotas. De umas pombas, vá lá, de uns pardejos lingrinhas e de uns
cães abundantemente cagões e felizmente sem asas. Mas sobretudo, e
historicamente, a minha rua é território de gatos e gaivotas, que vêm ao
cheiro da comida que a minha vizinha lhes manda da varanda, besuntando
de espinhas, patas de frango, gorduras várias e nojo a estrada e o
passeio, mesmo por baixo do meu nariz. (Na minha rua passa bissextamente
a procissão do Senhor de Matosinhos e estabeleceu-se há uns meses,
colado aqui a casa, o Núcleo do Sporting - exigia-se portanto outro
asseio.) A minha vizinha foi quem chamou as gaivotas, mas agora
enxota-as a baldes de água fria, porque, não sei se mudou de religião,
só quer conversa com os gatos.
Ora bem: há trinta anos que moro na minha rua e foram precisos trinta
anos para que me aparecesse na rua um melro. Sim, um melro
efectivamente, e apresenta-se todas as manhãs. Melro cantor que dá
gosto, e lambão benza-o Deus, também vai à marmita dos gatos, um destes
dias desaparece corrido a encharcado pela minha vizinha, se tiver a
sorte de não ser cozinhado para alimentar os bichanos.
E eu, perante isto? Eu gostei muito que o melro tivesse dado com a minha
rua e com a frente da minha casa. Grande melro! É porreiro, porque
assim já somos dois...
P.S. - Publicado originalmente em Fevereiro de 2017. Entretanto o Sporting
desamparou-me a loja, foi não sei para onde, se é que foi, e deu em campeão, o que é deveras lamentável e manifesto desperdício. O
melro da minha rua, o meu melro, cantava sem parar o hino do FC Porto. E
juro que não fui eu. Os melros, é o que têm, já nascem ensinados.
quinta-feira, 13 de maio de 2021
Tenho um melro na minha rua
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