domingo, 9 de maio de 2021

Luiza Neto Jorge 5

Jornal de domingo
Na página aberta
do jornal de hoje
um anúncio traz
a mulher bela
com poros de pele
um cabelo que são
letras soltas
sua boca é um selo
na resposta à carta
que lhe pede a mão
e o seu sexo louro
e o rosto liso
na fotografia
como um peixe rindo
Todos nós esperamos
que ao dobrar a página
se leia isto aquilo
a emoção de ler
e se leia tudo
do pensar na fêmea
a fêmea esgotada
desde o púbis à cor
do riso
quando se ergue
e o vento recua
quando se deita
e se esquece nisso
se leiam as coisas
nas conversas
que entre si não têm
nos obstáculos
que entre si não saltam
homens objetos
anões fadas peixes
gulodices
Com letras maiores
aparece o nome
de um amante morto
com o crânio calvo
de ave sonhadora
que outrora poisou
de amor em amor
dentro dos domingos
*
Domingo é o espaço
onde todos cabem
sem lhes ser preciso
fazer vénia ao sol

Acontece então
um homem sentir
a água escorrer
dentro do pescoço
e fazer-lhe um nó
como de gravata

que lhe vai bem
nesse fato inútil
vestido à pressa
para ler o jornal
para matar a fêmea
que o recusou
e se lhe afeiçoa
o fato depois da vingança
e o faz igual
a alguém que dança
Aranha ao de leve
arranha no corpo
e o homem não lê
porque está esquecido
- a pensar em quê?

- Mais um domingo -
é o que dirá
se não o matarem
por qualquer razão
mil punhais salobros
saídos do chão
se voltar a casa
é o que dirá
Na casa não há domingo
há um fio de amor partido
que sangra pingo por pingo

Luiza Neto Jorge

(Luiza Neto Jorge nasceu no dia 10 de Maio de 1939. Morr
eu em 1989.)

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