segunda-feira, 11 de novembro de 2019

Aos bons velhos tempos

Foto Hernâni Von Doellinger

Longe vão os tempos de ouro da colónia britânica estabelecida no Porto, contados por Júlio Dinis ou Ramalho Ortigão. Às impenetráveis gerações dos descobridores das rotas do vinho do Porto e dos conceituados comerciantes de meados do século passado sucederam os modernos professores e tecnocratas, fleumáticos ainda e genuínos súbditos de Sua Majestade. Para a História e para a cidade, sobraram um certo toque na arquitectura da urbe e o pecado original da conversão ao futebol, contribuições polidamente entremeadas pelas indispensáveis parties e pelo institucional five o'clocke tea, hoje em dia já quase só para inglês ver.

O Porto - a cidade ou o vinho - conserva a sua velha relação de amizade com os ingleses. Relação de amizade e de negócios, diga-se em abono da verdade. Os ingleses são hoje apenas a terceira colónia estrangeira na cidade, e dos antigos monopólios comerciais restam somente recordações, mas há história a contar e justiça a fazer. Fermentada ao longo dos anos, mistura de tempos finos com outros de nem por isso, esta é uma crónica apurada a que os finais do século dão um sabor de memória, muito mais do que de protagonismo.
A "grande invasão" aconteceu naturalmente no rescaldo da Guerra Peninsular (1808-1814), que juntou no mesmo lado da barricada portugueses, espanhóis e britânicos contra a ameaça dos exércitos napoleónicos. Foi então o boom. O extraordinário desenvolvimento económico da cidade e o faro para o negócio dos filhos da Velha Albion conjugaram-se para seduzir muitas famílias inglesas convidando-os à fixação definitiva à beira-Douro, num casamento feliz e duradouro em regime de comunhão de adquiridos. E no entanto não fora o vinho do Porto que chamara os britânicos ao Norte de Portugal. O verde, nas leiras de Viana do Castelo, Melgaço e Monção, tinha sido o primeiro namoro, ainda antes de 1700, mas a "necessidade" de um vinho mais durável, mais encorpado e mais forte empurrou os espertos mercadores até ao Douro e à Invicta, sessenta anos depois.
A verdade, no entanto, é que remonta a séculos antes - ao despertar da nossa nacionalidade - o início das relações do Porto com o reino dos meetings e dos puddings. O primeiro contacto terá sido protagonizado pelo bispo portucalense D. Pedro Pitões, que, por encomenda de Afonso Henriques, pediu a cruzados ingleses em trânsito para a Terra Santa que fossem dar uma mãozinha à libertação definitiva de Lisboa das mãos dos mouros. Corria o ano de 1147.
Dois séculos após, no memorável ano de 1353, o Porto outra vez fazia História, antecipando-se em exactos dois decénios à instituição da Mais Velha Aliança, num rasgo de génio diplomático e comercial: enviado à Corte de Eduardo III, o respeitado mercador portuense Afonso Martins, o Alho, conseguia, a 20 de Outubro, os benefícios de um trato de negócios com os ingleses válido por cinquenta anos.

P.S. - Primeira parte de um trabalho que escrevi para a edição de Junho de 1992 da revista Grande Reportagem, então dirigida por Miguel Sousa Tavares. Lembrei-me dele a propósito de uma recente reportagem do jornalista David Mandim no DN Life.

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