Foto Hernâni Von Doellinger |
Longe vão os tempos de ouro da colónia britânica estabelecida no Porto, contados por Júlio Dinis ou Ramalho Ortigão. Às impenetráveis gerações dos descobridores das rotas do vinho do Porto e dos conceituados comerciantes de meados do século passado sucederam os modernos professores e tecnocratas, fleumáticos ainda e genuínos súbditos de Sua Majestade. Para a História e para a cidade, sobraram um certo toque na arquitectura da urbe e o pecado original da conversão ao futebol, contribuições polidamente entremeadas pelas indispensáveis parties e pelo institucional five o'clocke tea, hoje em dia já quase só para inglês ver.
O Porto - a cidade ou o vinho - conserva a sua velha relação de amizade com os ingleses. Relação de amizade e de negócios, diga-se em abono da verdade. Os ingleses são hoje apenas a terceira colónia estrangeira na cidade, e dos antigos monopólios comerciais restam somente recordações, mas há história a contar e justiça a fazer. Fermentada ao longo dos anos, mistura de tempos finos com outros de nem por isso, esta é uma crónica apurada a que os finais do século dão um sabor de memória, muito mais do que de protagonismo.
A "grande invasão" aconteceu naturalmente no rescaldo da Guerra Peninsular (1808-1814), que juntou no mesmo lado da barricada portugueses, espanhóis e britânicos contra a ameaça dos exércitos napoleónicos. Foi então o boom. O extraordinário desenvolvimento económico da cidade e o faro para o negócio dos filhos da Velha Albion conjugaram-se para seduzir muitas famílias inglesas convidando-os à fixação definitiva à beira-Douro, num casamento feliz e duradouro em regime de comunhão de adquiridos. E no entanto não fora o vinho do Porto que chamara os britânicos ao Norte de Portugal. O verde, nas leiras de Viana do Castelo, Melgaço e Monção, tinha sido o primeiro namoro, ainda antes de 1700, mas a "necessidade" de um vinho mais durável, mais encorpado e mais forte empurrou os espertos mercadores até ao Douro e à Invicta, sessenta anos depois.
A verdade, no entanto, é que remonta a séculos antes - ao despertar da nossa nacionalidade - o início das relações do Porto com o reino dos meetings e dos puddings. O primeiro contacto terá sido protagonizado pelo bispo portucalense D. Pedro Pitões, que, por encomenda de Afonso Henriques, pediu a cruzados ingleses em trânsito para a Terra Santa que fossem dar uma mãozinha à libertação definitiva de Lisboa das mãos dos mouros. Corria o ano de 1147.
Dois séculos após, no memorável ano de 1353, o Porto outra vez fazia História, antecipando-se em exactos dois decénios à instituição da Mais Velha Aliança, num rasgo de génio diplomático e comercial: enviado à Corte de Eduardo III, o respeitado mercador portuense Afonso Martins, o Alho, conseguia, a 20 de Outubro, os benefícios de um trato de negócios com os ingleses válido por cinquenta anos.
P.S. - Primeira parte de um trabalho que escrevi para a edição de Junho de 1992 da revista Grande Reportagem, então dirigida por Miguel Sousa Tavares. Lembrei-me dele a propósito de uma recente reportagem do jornalista David Mandim no DN Life.
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