Vendo os companheiros afastarem-se, os dois garotos atiraram as marretas ao chão. O do pescoço alto partiu como uma flecha, espadeirando as poças de água com os pés nus e agitando os braços em gestos largos e desengonçados, a querer possivelmente significar que era um grande nadador. O outro seguiu, sacudido de riso. Chegaram antes de todos à taberna, mas o engraçado, incapaz de ali esperar, veio para a chuva, chamando os homens com os braços e reivindicando assim a iniciativa e a descoberta de tão magnífico abrigo.
Foram-se juntando no pequeno e escuro compartimento. Amontoados à porta, olhavam para fora a insinuar ao taberneiro que estariam ali só um instante a abrigar-se da chuva. As ocasiões de negócio eram porém raras e o taberneiro, apressado, pôs-se a lavar os copos já lavados, olhando os homens a pedir desculpa da demora em os servir. Seja pela vergonha de negar tão claro convite, seja porque lhes parecesse não poderem ali ficar todos sem gastar um tostão, seja pela força do pecado, três homens, com ar solene, chegaram-se para beber. Então todos os outros se instalaram mais à vontade, sentando-se uns à roda da mesa, fugindo outros do vão da poria, onde a chuva martelava trazida pelo vento.
- Já não temos outro dia - repetiu o homenzinho magro.
- Era bem precisa, era bem precisa - disse o velho, que não conseguira ainda, nem conseguiria nunca, ajeitar pelos ombros o minúsculo casaquinho.
"Até Amanhã, Camaradas", Manuel Tiago
(Álvaro Cunhal nasceu no dia 10 de Novembro de
1913. Morreu em 2005.)
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