O extraordinário poder de observação dos barmen
Armado em parvo, o que lhe sucedia regularmente todas as primeiras
sextas-feiras de cada mês, Quitério entrou no Bar Àluzdasvelas pendurado
nuns óculos de sol Ray Ban de lentes enormes e escuríssimas que lhe
tapavam cerca de 75 por cento da cara. Tacteou um lugar ao balcão e
assim ficou. O homem do bar atentou e disse: - Boa noite, senhor
Quitério. Está diferente, hoje. O que é? Cortou o cabelo?...
Ó da Guarda!...
Ó da Guarda, gritou Quitério. Faz favor de dizer, apresentou-se Manuel
Miguel de Sousa Pelica, egitaniense da melhor cepa, nascido e residente na ex-freguesia de Avelãs de
Ambom, e por acaso de visita ao Porto derivado a uma consulta.
O taxista-leninista
Bem lhe recomendavam que não misturasse trabalho com política, mas
Quitério ignorava. E dizia, alto e bom som, a quem o quisesse ouvir,
"Sou taxista-leninista, e com muito gosto"...
O poder do sabão
Quitério era muito cuidadoso com a ferramenta. Todos os dias, de manhã e
à noite, lavava as intimidades com um bom naco de sabão azul. O sabão,
se não me engano, é um poderoso desinfectante e antibacteriano. Um dia,
faltando sabão azul em casa, Quitério lavou-se com sabão rosa. Nunca
mais foi o mesmo homem...
O pregador
O pregador subiu ao púlpito, e os seus passos seguros, pesados, degrau a degrau, ecoaram em stereo litúrgico na igreja confortavelmente vazia. Estranho... Dizia-se que era o melhor pregador da região.
O pregador não iria, porém, deixar os seus créditos por mãos alheias. Compenetrado mas decidido, agarrou nas três tachas que levava na ponta da língua, sacou do martelo que trazia à cintura, e em menos de um padre-nosso já tinha consertado a estante que o sacristão escangalhara sem querer nas arrumações da missa das sete.
Serviço pago no acto
Aquele sugestivo aviso à porta dos cafés que cada vez mais se
espreguiçam até à rua: "Serviço de esplanada pago no acto". No acto. A Quitério dava-lhe para imaginar o solícito empregado - de casaco branco, toalhete no
braço, bandeja na mão e com a outra a fazer festas ao bolso das calças
pretas - ali à espera que o casalinho termine...
Campanha eleitoral
Cansado de esperar pela sua vez, o candidato levantou-se e pediu o
microfone. Melhor dizendo: saltou da cadeira e exigiu o microfone,
porque ele é que é o candidato, o povo o que quer é ouvir o candidato e
blablablá penetra não ganha votos nem dá empregos. O candidato agarrou
pois no microfone, coçou-lhe a cabecinha com a unhaca da cera,
soprou-lhe o pó num imenso perdigoto e, sem mais delongas, dirigiu-se
aos seus caríssimos e suspensíssimos apoiantes, praticamente quinze e
em transe:
- Alô, chape, chape, um, dois. Um, dois, três, microfone, experiência.
Chape, chape, um, dois. Um, dois, três, quatro, microfone...
E a multidão irrompeu em aplausos.
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