quarta-feira, 15 de março de 2017

José Maria Gomes de Souza

Elegia 

Creio em ti, mas às vezes, como agora,
Sinto desfalecer a minha crença.
Deus, oh Deus, tu és pai, ou és verdugo?
Tal interroga a minha dor imensa!

Porque me feres, pois?, que mal te há feito
Esta planta rasteira e pequenina
Que só demanda ao sol um raio amigo
E às manhãs uma gota adamantina?

Certo, não levantei templos, altares
Em honra de teu nome e potestade;
Nunca paguei esse tributo estéril
Arrancado à imbecil credulidade.

Não fui diante das sagradas aras
De rojo me estender na laje fria,
Rasgando as vestes, macerando as faces
À sombra de mendaz hipocrisia.

Tudo que é bom e grande e nobre e justo
Em minha alma encontrou culto sincero;
Meu pranto consagrei à dor alheia,
À alheia culpa nunca fui severo.

Não profanei teus vasos sacrossantos
No luxo infrene de letais orgias;
Se às vezes fraqueei aos pés de Onfália,
Nunca manchei o tálamo de Urias.

Rasguei metade de seu manto escasso
Para do irmão os ombros nus guardar,
Resignado aceitei o amargo cálix
Que aprouve a ti aos lábios meus chegar.

Porque me feres, pois?, que mal te há feito
Este verme misérrimo, mesquinho,
Que só demanda ao sol um raio, apenas,
... Oculto sob as ervas do caminho?!

Lês na minha alma, qual em manso lago
Mergulha a estrela indagador olhar,
Ela pode dizer, ela somente,
O que há no fundo incógnito do mar.

Lê na minha alma e dize-me (sê franco)
Se ela merece a tormentosa vida
Que, desde a infância, quinhoaste a ela,
Sempre pela desgraça perseguida?

Revoga, oh Deus clemente, o atroz decreto,
Sê pai, não sejas verdugo inexorável.
Não aumentes a dor ao oprimido,
Desce a mim um olhar doce, amorável...

José Maria Gomes de Souza

(José Maria Gomes de Souza nasceu no dia 15 de Março de 1839. Morreu em 1894.)

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