Travessa das Isabéis
Travessa das Isabéis
Entre pedras e azulejos
Modulam Lisboa à noite
Seus corpos de realejos
A lua desce a ladeira
E cobre as pedras de beijos
Ó lua de Portugal
De seus Tejos e Alentejos.
Vi todas as Isabéis
Sem ver Isabel alguma
Na ladeira fui contando
As pedras uma por uma
Tinha os olhos nas janelas
E pedra a pedra subia
Travessa das Isabéis
Quantas Isabéis havia?
De seu sobrado amarelo
O cônsul francês sorria:
A cada Isabel que olhava
Era outra que aparecia
De sua janela verde
Uma Isabel nos espia
Outra Isabel no balcão
Acenava e me dizia
Que tantas quantas quisesse
Eram as Isabéis que havia:
Cada qual a mais bonita
Olhos negros olhos verdes
olhos de azul ou de mel
Cada qual mais portuguesa
Cada qual mais Isabel
Os olhos no doce rosto
Eram mais doces que o mel
Debaixo das sobrancelhas
Duas uvas moscatel
Na guitarra das cinturas
Quero ser vosso segrel
Sois balada e serenata
Nas cordas do menestrel.
Às oito horas da noite
Se abriram vinte janelas
Cem Isabéis me acenaram
Do alto de todas elas
Às oito horas da noite
São cinco em cada balcão
Tomam seu banho de lua
Cheirando a manjericão
Ou cheiro a flor de laranja
Ou de alfazema dos campos,
Boa noite - me murmuram
Seus olhos de pirilampos
Não sei quantas eram ruivas
Quantas louras e morenas
Trigueiras, claras, castanhas,
Risonhas, sérias, serenas,
Pois eram cem raparigas
Do primeiro ao quarto andar,
E começavam a rir
E eu começava a chorar -
Tão longe de minhas mãos
Tão perto de meu olhar -
Uma viola perdida
Cantava as meninas belas
E devagar uma a uma
Se fechavam as janelas
Não sei se era a mão da lua
Ou se seria a mão delas -
Na ladeira um anjo bêbado
Me perguntava por elas
E nas varandas, ausentes,
Apareciam mais belas
Lisboa, boca da noite
aloendros e água-mel:
Cada qual mais portuguesa
Cada qual mais Isabel.
"Cânon & Fuga", Gerardo Mello Mourão
(Gerardo Mello Mourão nasceu no dia 8 de Janeiro de 1917. Morreu em 2007.)
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