Como eu não possuo 
Olho em volta de mim. Todos possuem - 
Um afecto, um sorriso ou um abraço. 
Só para mim as ânsias se diluem 
E não possuo mesmo quando enlaço. 
Roça por mim, em longe, a teoria 
Dos espasmos golfados ruivamente; 
São êxtases da cor que eu fremiria, 
Mas a minha alma pára e não os sente! 
Quero sentir. Não sei... perco-me todo... 
Não posso afeiçoar-me nem ser eu: 
Falta-me egoísmo para ascender ao céu, 
Falta-me unção para me afundar no lodo. 
Não sou amigo de ninguém. Para o ser 
Forçoso me era antes possuir 
Quem eu estimasse - ou homem ou mulher, 
E eu não logro nunca possuir!... 
Castrado de alma e sem saber fixar-me, 
Tarde a tarde na minha dor me afundo... 
Serei um emigrado doutro mundo 
Que nem na minha dor posso encontrar-me?... 
Como eu desejo a que ali vai na rua,
Tão ágil, tão agreste, tão de amor...
Como eu quisera emaranhá-la nua,
Bebê-la em espasmos de harmonia e cor!...
Desejo errado... Se eu a tivera um dia,
Toda sem véus, a carne estilizada
Sob o meu corpo arfando transbordada,
Nem mesmo assim - ó ânsia! - eu a teria...
Eu vibraria só agonizante
Sobre o seu corpo de êxtases dourados,
Se fosse aqueles seios transtornados,
Se fosse aquele sexo aglutinante...
De embate ao meu amor todo me ruo,
E vejo-me em destroço até vencendo:
É que eu teria só, sentindo e sendo
Aquilo que estrebucho e não possuo.
"Dispersão", Mário de Sá-Carneiro
(Mário de Sá-Carneiro nasceu no dia 19 de Maio de 1890. Morreu em 1916.)
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