quinta-feira, 30 de junho de 2011

Os coelhos não se evaporam

Quitério, que também não tem emprego, já estava farto de jogar à sueca no Jardim do Marquês. Portanto, resolveu começar a contar coelhos no Parque da Cidade. Uma actividade ainda não remunerada, é certo, mas que o nosso homem tem uma enorme fezada de que virá a sê-lo a breve trecho, na sequência do projecto que conta apresentar ao Dr. Rui Rio e que agora, com o novo Governo, vai enviar igualmente ao Álvaro da Economia. Entretanto, mandou o currículo para a National Geographic. Se nem sequer lhe responderem, é sinal de que a revista já passou para a mão de portugueses. O que é bom para o País.
Todas as manhãs, depois de espreitar a primeira página de O Jogo, Quitério arranca para o Parque da Cidade, bloco de notas, lápis e maçã em punho. A maçã é muito importante, porque às vezes dá-lhe fome.
Quitério olha e vê com olho clínico, regista, compara, assinala as diferenças e as similitudes, escreve 60 vezes a palavra similitudes porque gosta muito dela, desenha gráficos e tabelas, depois deita tudo fora e remata com a inconfidência da notazinha pessoal. E sempre em horário completo. Por isso, ele é hoje em dia e sem favor a voz mais autorizada para dissertar sobre a problemática do coelho nacional, ao qual (fruto de uma lamentável confusão fonético-etimológia) atribuiu o nome científico de Cunnilingus Lusitannus, exactamente para o diferenciar do chamado coelho comum, que os especialistas denominam de Laparus Normallissimus. Os especialistas são só ele.
É preciso que se note: “Com os coelhos, como em tudo na vida, há dias e dias”. A frase não é minha, saiu da sábia pena de Quitério, que às vezes fecha a loja sem ter visto um coelho que seja, ou uma coelha, vá lá, para na vez seguinte ter que se desunhar com os verbetes de mais de 20 avistamentos no breve espaço de um quarto de hora.
"A ciência tudo explica”, costuma dizer Quitério, batendo com o lápis no bloco de apontamentos. “Está aqui tudo”...
Segundo Quitério, aos sábados de manhã ninguém põe a vista em cima do CL – passemos a chamar-lhe CL, afrontando embora o rigor da ciência, mas precatando compreensíveis susceptibilidades. O especialista defende que “esta é a prova provada de que o coelho nacional costuma passar a noite de sexta-feira nos copos e/ou no sexo”. E sexo, com os coelhos, já se sabe como é...
Outro resultado do estudo, ainda segundo Quitério: “O coelho nacional almoça em casa. Entre o meio-dia e a hora e meia da tarde, não há nem um para amostra em campo aberto. O Lusitannus, como também é tratado entre amigos, está à mesa com a família, não tem graveto para mais. Ou então foi para a praia, que é de borla e ali ao pé”.
Mas atenção: com mau tempo, chuva principalmente, o coelhame vem todo cá para fora. “Conclusão a tirar: as casas metem água”. Um reparo que Quitério já antecipou em relatório prévio enviado há coisa de três semanas ao presidente da Câmara.
Quitério tem tudo registado. Ele conhece-lhe os hábitos, as suas idiossincrasias (e escreve idiossincrasias mais 59 vezes), ele até já traçou o perfil psicológico do CL, bicho assustadiço e campeão de atletismo. E, no entanto, não há dia em que o nosso cientista não se apanhe surpreendido por um novo ângulo, pelo nunca visto.
Ainda anteontem, por exemplo: estava Quitério analisando, de perto, o comportamento de um belo exemplar, preto e branco, malhadinho, quando...

(o melhor é ser o próprio Quitério a contar)

... "a minha atenção se desfocou por uns milésimos de segundo na pista de um par de mamas que passava por mim todo saltitão. Foi coisa de milésimos de segundos, palavra de honra! Quando torno à procura do láparo, já ele lá não está. Bateu asas e voou”...

(Ora bem: impõe-se aqui um novo entre parênteses, desde logo para pedir desculpa ao leitor acidental por esta contumaz fraqueza de Quitério pelos feminis seios, a que o autor do texto é obviamente alheio, mas também para dar nota da camada de cepticismo com que esta inesperada revelação foi acolhida na mesa de café onde ele costuma calistar. Foi um torcer de nariz geral e o mete-nojo do Silveira ainda torceu um tornozelo, só para dar nas vistas.)

E Quitério, ofendidíssimo: “Mas estão a pôr em dúvida a seriedade do meu trabalho? Também me querem mandar para as Misericórdias? Eu lido com as hipóteses, eu verifico as evidências. Então como é que explicam o desaparecimento do coelho? O coelho evaporou-se, não? Ridículo! Toda a gente sabe que os coelhos não se evaporam. Bateu asas e voou, foi o que foi”.

Sonhos

Quitério tinha um sonho. Já não tem.

segunda-feira, 27 de junho de 2011

PS: que pobreza...

Até meio da passada semana ainda acreditei no milagre. Esperei pelo Santo António, esperei pelo São João, confiava no São Pedro, mas nada! Talvez por serem populares (ou sociais-democratas, não sei...), os santos viraram-me as costas. Acabou o prazo, mais ninguém apareceu. E agora os socialistas vão mesmo ter que escolher entre Seguro e Assis. Uma pobreza franciscana!
Sinceramente: não havia por aí ninguém melhorzinho?

A anedota

Sabem a última? A do administrador de uma televisão que foi anunciado na sua própria televisão, por um famoso comentador, como secretário de Estado no Governo de Pedro Passos Coelho, que se demitiu e tudo e que afinal ficou a chuchar no dedo? Eu não a sei contar bem. Marcelo Rebelo de Sousa é que sabe. O Professor é um ponto.

Abençoadas cabeças

PSD e CDS estão a ver se se entendem sobre a possibilidade de "parte dos beneficiários vir a receber os subsídios [de desemprego ou rendimento social de inserção] em vales sociais de alimentação ou de saúde", conta hoje o i. "Em algumas situações o pagamento em vales pode ser extremamente positivo", disse ao jornal Fernando Negrão, antigo ministro da Solidariedade Social do PSD. E justificou: "Existem agregados que não sabem gerir as suas finanças e no dia seguinte a receber o apoio vão gastar tudo"...
Tem toda a razão o Dr. Fernando Negrão. Eu próprio conheço gentinha que, no dia seguinte a receber o subsídio, passa pela mercearia, passa pela padaria, passa pela farmácia, paga o que deve e fica sem nada.
Como diz um amigo meu, desempregado, "ainda bem que vamos ter estes gajos para nos ensinarem a gastar o dinheiro"...

Faltava-lhe a cedilha

Aqui atrasado fui a um supermercado e comprei uma alheira. Como acontece tantas vezes a muito boa gente, trouxe para casa um dois-em-um: a alheira e um grandessíssimo barrete. E reclamei. Reclamei para o fabricante, reclamei para a cadeia de supermercados, reclamei até para o provedor do cliente do grupo económico dono da cadeia de supermercados. Todos me responderam, com mais ou menos demora e as tretas do costume.
O primeiro a bater com a mão no peito até foi o fabricante. Para além das tretas do costume e de um simpático pedido de desculpas, oferecia-se para me enviar uma nova alheira. Imaginei que me mandaria pelo menos meia dúzia, todas elas de qualidade cinco estrelas, mas não aceitei. Eu só queria mesmo reclamar.
A quem puder interessar, para futuras demandas, ou, quem sabe, até para fazer jurisprudência, aqui deixo, humildemente, o teor da minha bem sucedida reclamação:


Exm.ºs Senhores,

Comprei ontem na loja do [...], em [...], uma alegada "Alheira de Caça" produzida por V. Ex.ªs e pomposamente apresentada como "produto seleccionado da Terra Fria Transmontana".
A etiqueta prometia uma alheira com, nomeadamente, 40% de carne de caça (pato, perdiz e coelho), 30% de carne de porco e 20% de pão trigo.
Cozinhada e aberta, verifiquei logo, sem precisar de ir ao microscópio, que fora enganado. Carne... de grilo! Assim a olho - e comprovado na boca! - , a alheira era afinal composta por 90% de pão e 10% de gorduras diversas.
Dito de outra forma: a alheira de caça de V. Ex.ªs não trazia cedilha.


Melhores cumprimentos,

domingo, 26 de junho de 2011

Passos Coelho acaba com o papel selado

Num gesto de inquestionável coragem política e amplo alcance social, Pedro Passos Coelho acaba de decretar o fim do papel selado, introduzindo também profundas alterações na folha azul de 25 linhas. Por ordem expressa do novo primeiro-ministro, a folha continuará a ser obviamente azul mas será reduzida a sete linhas e meia.

P. S.: Fui agora mesmo informado de que o papel selado foi abolido em Portugal em 1986. Vou avisar imediatamente o Governo.

sábado, 25 de junho de 2011

Quem assim poupa...

Recém-chegado ao Governo, Pedro Passos Coelho não pára de cortar a direito na eliminação das despesas supérfluas que estavam a afundar o País. O primeiro-ministro ordenou hoje mesmo a selagem dos nossos cerca de 3.500 poços de petróleo no Mar das Berlengas, que só estavam a dar prejuízo, e espera-se que anuncie amanhã a ordem de encerramento definitivo do aeroporto internacional de Vila Pouca de Aguiar.
A nível interno, os membros do Executivo PSD/CDS continuam a dar o exemplo. Depois de terem decidido viajar apenas de autocarro da Carris nas suas deslocações em Lisboa, ministros e secretários de Estado resolveram também poupar na indumentária: em vez de andarem de fato e gravata, vão passar a andar de fato e gravata. Só lhes fica bem.

sexta-feira, 24 de junho de 2011

O cérebro faz mal ao telemóvel

E os telemóveis? Os telemóveis nos transportes públicos. Outra doença. Toca um, unzinho, e 126 pessoas vão aos bolsos e às bolsas buscar o aparelho e espreitam lá para dentro, menos a única que sabe que é o dela que está a tocar mas acha que todos merecemos apreciar um pouco mais daquela espectacular música cigana em altos berros. Mesmo ao meu lado.
“Toue”! Para não desafinar, é também em altos berros e gestos rasgados que a senhora expõe a sua vidinha e a vidinha do bairro inteiro, com o à-vontade de quem põe a roupa interior a corar no estendal da vizinha. Fala de ovos estrelados, varizes e sopa fria, caloteiros, amantes e sapatilhas novas, patroa bêbada, Pingo Doce e netinhos, marido, Manuel Luís Goucha e conta da luz, telenovela, férias e Sócrates, badalhocas, Nossa Senhora e bruxos, Super Pop Limão, Pinto da Costa e cabeleireira. Está na hora do despacho, aquilo tudo é o escritório antes de entrar ao serviço. Desembaraçada, salta para o segundo telemóvel e depois, mais difícil ainda, para o terceiro. Entra em conferência.
E de repente exalta-se, gesticula ainda mais, fala ainda mais alto. Mas é possível? É. E passa em revista o prontuário do palavrão, de A a Z, o que existe e o que inventa ali mesmo, aliás com grande competência e assertividade. O que fica a dever à gramática, paga com juros à criatividade. Michel Platini não destoaria tão bem...
Eu, que sou sempre o mesmo palerma, condoo-me com o desespero da senhora, ao mesmo tempo que tento salvar a minha costela flutuante esquerda, mais flutuante do que nunca após tanta cotovelada. Interrompo e pergunto:
- Está zangada, minha senhora? Algum problema? É o Fisco? Um credor, talvez...
- Não. Está tudo bem. Estou a falar com o meu mais novo, meu rico filho, coitadinho, a dizer-lhe onde lhe deixei o comer...
Coitados dos nossos ministros. O que eles vão sofrer, agora que passam a andar de autocarro.

A puta da bisnaga

Vosselências não andam de transportes públicos, pois não? Se calhar nem vão compreender o meu drama, mas eu vou tentar explicar:
Eu ando de transportes públicos e não sei o que deu agora ao raio do mulherio. Entram no autocarro ou no metro, alapam o traseiro e a primeira coisa que fazem é sacar da bisnaga. E esfregam, esfregam, esfregam. É a nova moda, aproveitar as viagens em transportes públicos para esfregar as mãos com creme amaciador, como se estivessem sentadas na sanita lá de casa. Mais do que uma moda, é uma epidemia: começa uma, aperta a bisnaga, faz aquele ruído viscoso que até lembra pecados velhos, e logo as outras todas lhe imitam o gesto, sacam também da bisnaga e nhanha, nhanha, nhanha. Sinto-me de repente no meio de um bacanal para o qual nem sequer fui convidado. Aquilo mete-me uns nervos!
E depois estas gajas ainda se armam em virgens ofendidas quando eu me descalço e começo a cortar as unhas dos pés em cima do banco da frente...

quinta-feira, 23 de junho de 2011

Governo muda-se para pré-fabricados

Pedro Passos Coelho vai vender todos os edifícios ministeriais e instalar o Governo em pavilhões pré-fabricados montados nos terrenos do Centro Cultural de Belém, ontem finalmente demolido. Entretanto, o primeiro-ministro só espera pela tomada de posse dos secretários de Estado para distribuir por todos os elementos do Executivo o passe anual da Carris.

Passos Coelho leva farnel

Para dar exemplo de poupança, Pedro Passos Coelho viaja hoje para Bruxelas em classe económica e com uma comitiva reduzida ao mínimo: o chefe de gabinete, o assessor de imprensa e dois seguranças. Para além disso, o novo primeiro-ministro de Portugal leva merendeiro para todos, aproveitando as sobras do megapiquenique do Continente. Na capital da Europa, Passos e o seu pessoal deslocar-se-ão em carrinhos de rolamentos.

terça-feira, 21 de junho de 2011

O treinador chamado Professor Neca

Quitério está num desconsolo que só visto. Contraditoriamente entusiasmado com o salto de André Villas-Boas para o colo dos milhões do Chelsea, o empedernido portista sentia aqui, também ele, a grande oportunidade de ver concretizado o sonho de toda a vida. Quitério sabe muito de bola: com o adiantado do defeso, Pinto da Costa só podia ir buscar um treinador português, que conhecesse bem o actual plantel do FC Porto mais os quatro mil seiscentos e setenta e três emprestados que o clube mantém em circulação. E Quitério pensou que finalmente ia ter o que sempre desejou: um treinador chamado Professor Neca! Mas ainda não foi desta.

Peso na consciência

Conta a espécie de revista A Família Portuguesa que Paula Pereira, "28 anos e mãe de duas crianças", "perdeu 20 quilos e está óptima!". Pois eu uma vez perdi a chave da porta de casa, coisa de meia dúzia de gramas se tanto, e só sei que andei mais de ano e meio à rasca.

segunda-feira, 20 de junho de 2011

Villas-Boas. Estavam à espera de quê?

Aviso já: acho muito bem que o André Vilas-Boas vá para o Chelsea. Era preciso ser parvo para não querer ganhar cinco milhões de euros por ano. E Villas-Boas não é parvo. Não percebo, portanto, o alarido que por aí vai, o despeito dos traídos, que acusam o jovem técnico de ter renegado o seu portismo desde pequequino, que não lhe perdoam o abandono da cadeira de sonho. E ouço choro e ranger de dentes.
Até parece que caiu o Carmo e a Trindade...
Mas estavam à espera de quê? Do triunfo dos valores? Do amor à camisola? Tretas! Estes tipos são assim: egoístas, vaidosos, ambiciosos, calculistas, insensíveis, falsos num certo sentido. Exactamente no sentido de serem... falsos. Têm estas qualidades todas, preenchem o perfil completo do homem de sucesso. Por isso é que os tubarões os querem para treinadores (ou para presidentes de empresas, ou para directores de jornais), e não por eles irem à missa todos os dias. E estes tipos vingam sempre, quase sempre. Com a rapidez e a pujança de um eucalipto.
André Villas-Boas fez um trabalho sensacional no FC Porto. Foi apenas um ano, mas foi bom enquanto durou. O clube e os portistas só têm que estar gratos, concedendo-lhe uma despedida sem rancores e com votos de boa sorte.
Villas-Boas é jovem, competente, quer ficar (ainda mais) rico (ainda mais) depressa. Tem todo o direito a tratar de vida. Ainda por cima, sai do Dragão com respeito absoluto pelo contrato que assinou com Pinto da Costa: o Chelsea vai pagar ao FC Porto os 15 milhões de euros referentes à cláusula de rescisão aceite de mútuo acordo por treinador e presidente e que existe precisamente para estas situações. Que querem mais?
E quem pode negar a Villas-Boas o direito a sonhar – ele é muito dado a sonhos – com a unanimidade nacional, esse beatífico desiderato só possível de alcançar quando se deixa o FC Porto? E, de preferência, deixando-o de calças na mão.
Depois há o dinheiro. Voltamos sempre ao dinheiro. Ah!, sim, o vil metal. Vil metal, o raio que os parta! Vil metal é contar os cêntimos, vil metal é ganhar o salário mínimo, vil metal é estar desempregado, vil metal é receber o subsídio de desemprego, vil metal é perder o subsídio de desemprego, vil metal é não ter dinheiro para gastar na farmácia, vil metal é ver os filhos com fome, vil metal é ter vergonha de roubar! A iglantónica quantia de cinco milhões de euros/ano multiplicada por três anos não é vil metal. É uma fortuna instantânea a que não se pode dizer não. Seria pecado! Sem perdão! Porque, nisto de traições, ainda vai alguma diferença entre 30 dinheiros e 15 milhões...
Este fim-de-semana saíram-me seis euros e noventa e cinco cêntimos no Euromilhões e eu fiquei bem contente. Eu não sei ao certo quanto dinheiro é cinco milhões de euros por ano. Só se me explicarem em camiões (isto é, se me disserem: “dá para encher xis camiões com notas”...). Mas suspeito que cinco milhões de euros por ano são muitos, muitos camiões. E ainda bem, melhor para o André.
Os argumentos, acredito piamente, estão todos a favor do jovem técnico. Na maioria das críticas que lhe fazem, vejo alguma inveja e muita hipocrisia. Vejo, sim senhor. E não gosto do que vejo.
Ó sepulcros branqueados! Ó raça de víboras! Digo-vos só isto: deixai o homem em paz! Quem de entre vós nunca aceitaria ir treinar o Chelsea por cinco milhões/ano que atire a primeira pedra!
Eu vou apanhar o avião.

sexta-feira, 17 de junho de 2011

Quando os Tonys eram de Matos

Os lisboetas vão regressar amanhã às suas raízes mais profundas. Às berças. Aos campos do Minho, de Trás-os-Montes, das Beiras, do Alentejo ou dos Algarves de onde partiram há duas ou três gerações, de cajado ao ombro e saca com a merenda. Quer-se dizer: embora o ignorem, os lisboetas são tão parolos como os outros parolos todos. Lisboa já não diferencia. Faz cada vez mais parte do resto que é paisagem neste país que não existe.
Vai ser servido aos lisboetas, amanhã, um megapiquenique a que o analfabetismo chama "Mega Pic Nic". Um arraial dos antigos que promete recriar, em plena Avenida da Liberdade, o "espírito do campo", o "ambiente de uma grande quinta", com o objectivo - acrescentam os organizadores - de "chamar a atenção dos portugueses para a importância do apoio à produção nacional".
Os lisboetas, que são parolos mas não se lembram, vão poder (re)aprender, por exemplo, que o leite não nasce em pacotes, que as galinhas estão vivas antes de estarem mortas (a senhora dona Lili Caneças poderá explicar o fenómeno), que os ovos só podem ser produzidos com aquele feitio ou que o bife não é um animal, pelo menos um animal completo.
O anúncio televisivo do evento promete tudo isto e muito mais. Garante uma espécie de circo rural onde não vão faltar as vacas e os cavalos, os patos e os gansos, as ovelhas e os porcos, os frangos do Roberto e até

macacos de imitação. Exactamente. Está o trânsito todo escangalhado no Porto e em Matosinhos, este fim-de-semana, por causa das corridas de carrinhos do menino Rui Rio, e logo Lisboa resolve também semear o caos no seu centro mais central. (A parolice é mesmo assim, contagia, multiplica-se. Lisboa sofre de um acelerado processo de parolização.)

Nada, no entanto, que desmobilize os lisboetas, tenho a certeza. Lá estarão amanhã, milhares e milhares deles, entusiasmados até mais não com a novidade, fresquinha e ao vivo, das cores, dos sabores e dos aromas do campo. Mas sobretudo o que eles vão é ao cheiro do concerto do Tony Carreira. À borla. Tony Carreira apresentado aos lisboetas como "o melhor da música portuguesa"...
Ora bem. Honra lhe seja, Tony Carreira é um profissionalão, provavelmente o melhor do seu ofício, mas não é "o melhor da música portuguesa". Entendamo-nos: por mais multidões que congregue, por mais corações que despedace, Tony Carreira é apenas um cantor romântico com imeeeeeenso sucesso. Mas a música portuguesa é... outra coisa.
Apesar de tudo, que diferente era Lisboa no tempo em que os Tonys eram de Matos...

quarta-feira, 15 de junho de 2011

Não agridam mais o invisual!

Nas minha terra, os cegos eram "ceguinhos". Agora que penso nisso, acho que era um tratamento rústico mas carinhoso, de respeito, que contraponta com a inexplicável designação de "invisuais", esse moderno eufemismo que tem tanto de pateta como de desnecessário. (Pois, e os surdos são insonoros...). Em miúdo, muito gostava eu de ouvir o cego que parava na minha rua a cantar em tons trágicos e rima fácil aquelas estórias de amor e ciúme, faca e alguidar, que anos mais tarde são o ganha-pão das nossas televisões e dos nossos jornais! De todas e de todos!
Não me lembro se alguma vez deitei algum tostão no boné surrado que o ceguinho estendia à caridade. Não sei, mas se calhar não era preciso: éramos praticamente amigos, eu e o ceguinho. Eu passava lá o dia. Os dias.
Por estas e por outras, os anos passando, sempre tentei evitar a tirada fácil do "não há dinheiro nem para mandar tocar um cego". Acho um abuso, uma falta de respeito, de gosto. Mas confesso que a estúpida vaidade do brilharete momentâneo levou-me algumas vezes, muitas mais do que eu gostaria, a falhar nesta intenção. E mordo a língua de arrependimento. Mas isso sou eu...
Agora, ao ver hoje o presidente da União das Misericórdias Portuguesas, Manuel de Lemos, a vir para os jornais dizer, através da agência Lusa, exactamente que "não há dinheiro para mandar tocar um cego", já não sei o que pense...
O senhor de Lemos é presidente das Misericórdias, valha-me Deus! Das Misericórdias, porra!
Ó senhor presidente, isto cá só entre nós, e haverá dinheiro para mandar cantar um surdo? E para mandar dançar um coxo? E um maneta a...
Senhor presidente das Misericórdias, gabo-lhe o gosto.

terça-feira, 14 de junho de 2011

"Tempos difíceis

estes os que vivemos", acabou por largar Quitério num longo suspiro, enfastiado com o raio da vida. Do outro lado do cimbalino mal tirado, Silveira, o chato, viu ali pé de conversa para dar e vender. E, sem contemplações, passou ao ataque:
- Exactamente, pá! Esta crise que nos sufoca, a ditadura da troika, o desemprego galopante, a falta de perspectivas de futuro...
- Nada disso...
- Eu percebo-te, pá! Crise de valores, queres tu dizer. Tens toda a razão, já não há valores, o que aí temos agora é uma juventude sem educação e respeito pelos mais velhos. No nosso tempo é que...
- Ó valha-me Deus...
- Sei aonde queres chegar, pá! Lá acima, estou a ver. É claro, já não há gente séria como antigamente. Saiu-nos na rifa esta cáfila de banqueiros arrivistas e políticos onzeneiros e trafulhas. É isso, não é?
- Não, pá! É o defeso, pá! O defeso! É este tempo todo sem futebolzinho! O defeso é uma seca...

domingo, 12 de junho de 2011

Na travessia da passadeira

Quitério estacou perante a fartura daqueles seios. Era mais um palmo em falso e ainda se esparramava naquela fofa imensidão. Quitério, até os olhinhos se lhe riam...
A dona dos seios é que não gostou. E atirou, azeda:
- Olhe lá, ó morcãozola, está a gozar com as minhas mamas?
- De momento ainda não, minha senhora...

sábado, 11 de junho de 2011

Sai o gajo e entra o outro

Foto Hernâni Von Doellinger

"Desgraçadamente desempregado e portista graças a Deus" (como costuma mandar no currículo), Quitério anda um bocadinho com a cabeça no ar. E com tão azaradas consequências que ainda ontem deu de caras com o chato do Silveira, sem tempo sequer para mudar de passeio ou fazer-se de morto.
E o Silveira não perdoou:
- Então, pá! Estás todo contente, não? O gajo lá vai finalmente embora...
E Quitério, mais à rasca era impossível:
- Qual gajo?
- O Sócrates, pá! - explicou, a nadar em paciência, o Silveira, com aquele falsa bonomia muito própria dos mete-nojo.
- Ai vai? Porquê? - ousou bisar na pergunta o pobre Quitério, triste como a noite por já não ganhar uma taça há mais de quinze dias.
- O gajo perdeu as eleições, pá!
- Quais eleições?
- Então, pá, 5 de Junho. A esquerda levou cá uma destas coças!...
- Qual esquerda?
- Deixa-te de gozo, pá! E o outro, gostas dele? Achas que o outro vai pôr isto direito?
- Qual outro?
- O Passos Coelho, pá!
- Quem?
- O líder do PSD, pá! O Passos Coelho...
- Sei lá...
- E o outro, achas bem?
- Qual outro? Há outro outro?
- O Portas, pá! Achas bem?
- Acho bem o quê?
- O Portas no Governo, pá!
- O Portas no Governo, porquê?
- Então, as eleições, pá, 5 de Junho. A direita ganhou as eleições...
- Qual direita? Quais eleições?
- Não me lixes, pá! Então, as eleições, pá, 5 de Junho. Tua foste lá, pá, de certeza que foste lá. Sabes muito bem...
- Mas eu não sei, pá! Eu não fui lá, pá! Eu nem tomei conhecimento, pá! Como é que eu podia saber, pá? Eu estou desempregado...

Era a sério. Mais filósofo do que nunca, e cheio de pressa para acabar com a desconversa, Quitério deixou a última: "Sabes, pá, o que eu acho é que o país que dispensa o meu trabalho também passa muito bem sem o meu voto. Quero lá saber! Governai-vos!"

sexta-feira, 10 de junho de 2011

Adeus Cavaco!

Dez de Junho. "Cavaco apela ao regresso à terra", titula o Jornal de Notícias. Pois então, muito boa viagem até Boliqueime, senhor Presidente. E que Deus Nosso Senhor o conserve por lá.

Duarte Pio, o aglutinador

Conta o Correio da Manhã (e o Correio da Manhã é um grande contador) que Duarte Pio "sugeriu hoje que se deixem de comemorar os feriados do 25 de Abril, 5 de Outubro e 1 de Dezembro, para aglutinar as respectivas celebrações no 10 de Junho, dia de Portugal e de Camões."
Eu não percebo nada de feriados. Duarte Pio, que não percebe nada de nada, parece que sim. O Correio da Manhã, que a sabe toda, apanhou-lhe a tirada momentosa mesmo à saída da missinha nos Jerónimos. Notícia ao lado, "Shakira dança no varão em lingerie". Que se entendam!

quarta-feira, 8 de junho de 2011

Dupla penetração

Quitério tinha 51 anos quando, pela primeira vez, foi clinicamente submetido ao famigerado toque rectal. Nesse mesmo dia soube também que ia perder o emprego. Somou um mais um e pensou: "Então é a isto que eles chamam dupla penetração"...

"Eu adoro-vos",

disse José Sócrates na hora da despedida. E o País inteiro respondeu em coro: "Nós também não".