E os telemóveis? Os telemóveis nos transportes públicos. Outra doença. Toca um, unzinho, e 126 pessoas vão aos bolsos e às bolsas buscar o aparelho e espreitam lá para dentro, menos a única que sabe que é o dela que está a tocar mas acha que todos merecemos apreciar um pouco mais daquela espectacular música cigana em altos berros. Mesmo ao meu lado.
“Toue”! Para não desafinar, é também em altos berros e gestos rasgados que a senhora expõe a sua vidinha e a vidinha do bairro inteiro, com o à-vontade de quem põe a roupa interior a corar no estendal da vizinha. Fala de ovos estrelados, varizes e sopa fria, caloteiros, amantes e sapatilhas novas, patroa bêbada, Pingo Doce e netinhos, marido, Manuel Luís Goucha e conta da luz, telenovela, férias e Sócrates, badalhocas, Nossa Senhora e bruxos, Super Pop Limão, Pinto da Costa e cabeleireira. Está na hora do despacho, aquilo tudo é o escritório antes de entrar ao serviço. Desembaraçada, salta para o segundo telemóvel e depois, mais difícil ainda, para o terceiro. Entra em conferência.
E de repente exalta-se, gesticula ainda mais, fala ainda mais alto. Mas é possível? É. E passa em revista o prontuário do palavrão, de A a Z, o que existe e o que inventa ali mesmo, aliás com grande competência e assertividade. O que fica a dever à gramática, paga com juros à criatividade. Michel Platini não destoaria tão bem...
Eu, que sou sempre o mesmo palerma, condoo-me com o desespero da senhora, ao mesmo tempo que tento salvar a minha costela flutuante esquerda, mais flutuante do que nunca após tanta cotovelada. Interrompo e pergunto:
- Está zangada, minha senhora? Algum problema? É o Fisco? Um credor, talvez...
- Não. Está tudo bem. Estou a falar com o meu mais novo, meu rico filho, coitadinho, a dizer-lhe onde lhe deixei o comer...
Coitados dos nossos ministros. O que eles vão sofrer, agora que passam a andar de autocarro.
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