Os lisboetas vão regressar amanhã às suas raízes mais profundas. Às berças. Aos campos do Minho, de Trás-os-Montes, das Beiras, do Alentejo ou dos Algarves de onde partiram há duas ou três gerações, de cajado ao ombro e saca com a merenda. Quer-se dizer: embora o ignorem, os lisboetas são tão parolos como os outros parolos todos. Lisboa já não diferencia. Faz cada vez mais parte do resto que é paisagem neste país que não existe.
Vai ser servido aos lisboetas, amanhã, um megapiquenique a que o analfabetismo chama "Mega Pic Nic". Um arraial dos antigos que promete recriar, em plena Avenida da Liberdade, o "espírito do campo", o "ambiente de uma grande quinta", com o objectivo - acrescentam os organizadores - de "chamar a atenção dos portugueses para a importância do apoio à produção nacional".
Os lisboetas, que são parolos mas não se lembram, vão poder (re)aprender, por exemplo, que o leite não nasce em pacotes, que as galinhas estão vivas antes de estarem mortas (a senhora dona Lili Caneças poderá explicar o fenómeno), que os ovos só podem ser produzidos com aquele feitio ou que o bife não é um animal, pelo menos um animal completo.
O anúncio televisivo do evento promete tudo isto e muito mais. Garante uma espécie de circo rural onde não vão faltar as vacas e os cavalos, os patos e os gansos, as ovelhas e os porcos, os frangos do Roberto e até
macacos de imitação. Exactamente. Está o trânsito todo escangalhado no Porto e em Matosinhos, este fim-de-semana, por causa das corridas de carrinhos do menino Rui Rio, e logo Lisboa resolve também semear o caos no seu centro mais central. (A parolice é mesmo assim, contagia, multiplica-se. Lisboa sofre de um acelerado processo de parolização.)
Nada, no entanto, que desmobilize os lisboetas, tenho a certeza. Lá estarão amanhã, milhares e milhares deles, entusiasmados até mais não com a novidade, fresquinha e ao vivo, das cores, dos sabores e dos aromas do campo. Mas sobretudo o que eles vão é ao cheiro do concerto do Tony Carreira. À borla. Tony Carreira apresentado aos lisboetas como "o melhor da música portuguesa"...
Ora bem. Honra lhe seja, Tony Carreira é um profissionalão, provavelmente o melhor do seu ofício, mas não é "o melhor da música portuguesa". Entendamo-nos: por mais multidões que congregue, por mais corações que despedace, Tony Carreira é apenas um cantor romântico com imeeeeeenso sucesso. Mas a música portuguesa é... outra coisa.
Apesar de tudo, que diferente era Lisboa no tempo em que os Tonys eram de Matos...
Caro Neques
ResponderEliminarSó por acaso não sou estrangeiro. Aquela de colocar uma letra a mais no nome foi burrice portuga mesmo e só não estarei amanhã em Lisboa juntamente com outros quadrúpedes porque não fui convidado para o «Pic Nic» organizado pelo menino Azevêdo. Acho muito bem que a Saloiada de Lisboa vá ver o pouco que ainda resta do que um tal menino de Boliqueime destruiu. Por certo que irão tomar conhecimento de que para se obter o leitinho é preciso espremer uma, ou as quatro tetinhas da vaca, que os frangos afinal têm penas e não se colhem das árvores... etc.
Lembro-me a propósito de uma jovem na altura e recém licenciada em Jornalismo, estar espantada a olhar para um suíno... quando indaguei o motivo de tal surpresa respondeu-me com o ar mais candido deste mundo: -eu nunca tinha visto um porco...!
Lembro-me de outra "insigne jornalista" que num almocinho em serviço e perante a expectativa de comer-mos chanfana de borrego olhou-me meio espantada e perguntou: -borrego é burro?.
Por fim quero fazer-lhe uma perguntinha, desculpando-me desde já pela "ingenuidade"; o tal menino Rui, sim, aquele que gasta o que tem e não tem nos ditos carrinhos às voltas na cidade, será o mesmo que, quando tomou posse como autarca retirou o subsíduo de trabalho nocturno aos trabalhadores encarregados da recolha do lixo...???
Parabéns pelo brilhante texto.
Desculpe se me alonguei.
Gaspar de Jesus
Caro Gaspar de Jesus,
ResponderEliminarAgora sim, depois desta sua segunda visita, que agradeço penhoradamente, já somos praticamente amigos. Permita, então, que lhe fale com toda a franqueza e lhe diga que, sem ofensa, não acredito que, ao contrário do que V. Ex.ª sugere, haja por aí jornalistas ignorantes. As duas profissionais a que o caro amigo alude sofreriam apenas daquilo a que os especialistas chamam de disfunção animal, uma maleita muito dos nossos dias, para a qual ainda não foi descoberta cura.
Quanto ao dos carrinhos, acertou V. Ex.ª em cheio. É o tal!
Apareça quando quiser. Esta casa é sua.
Sempre a considerá-lo,
Neques