sexta-feira, 8 de dezembro de 2023

Um pecado muito pouco original

Era o baptizado de uma querida sobrinha, bebé, na Igreja Nova, em Fafe, já lá irão três décadas. Não sei porquê, o padre estava realmente endiabrado, embora ainda fosse manhã, e à beira da pia, logo quem entrava, no lado esquerdo, rodeado por nós todos, padrinhos e família, resolveu embirrar com a criança de meses, coitadinha, acusando-a de ser uma perigosa pecadora derivado ao princípio da Bíblia, mas que ali ficaria de folha limpa, graças a ele e sorte a dela, e inferno acima e inferno abaixo e pecado original acima e pecado original abaixo. Isso, no pecado original é que o raio do padre batia e tornava a bater, como se batesse no ceguinho.
Olhei fixamente para o padre, varei-o com os olhos, fiz-lhe cara feia, abanei que não e que não com a cabeça, ele percebeu que eu lhe estava a dizer "és parvo ou quê?, com pecado esta criancinha, este anjinho recém-nascido, mas alguém nasce já com pecado?, que raio de deus é o teu, pá, ainda a treta do inferno e do pecado original?, e se fosses mas é à merda?!", percebeu e mudou de assunto.

Anselmo Borges, padre e professor de Filosofia, escreveu um interessante artigo de opinião no DN do passado dia 2 de Dezembro. Para mim, as opiniões de Anselmo Borges são sempre interessantes e amiúde inspiradoras, e o artigo em questão, cuja leitura na íntegra recomendo, chama-se "A Imaculada Conceição, o pecado original e o sexo".
Deixemos a virgindade de Maria, o casamento e o sexo para segundas núpcias e centremo-nos no meu ponto. Ora bem. Eu não lhe encomendei o sermão, mas o mestre da Universidade de Coimbra ensina, a dado passo do seu texto: "Hoje, o pecado original é inconcebível, concretamente, por causa da evolução: o ser humano aparece no quadro da evolução, o que implica então a seguinte pergunta: quem foram os "primeiros pais", colocados no mundo sem pecado e que depois pecaram, transmitindo esse pecado a todos, de tal modo que todos nascem em pecado de que só o baptismo os pode libertar? Ainda conheci mães que viveram verdadeiros dramas interiores porque os seus bebés tinham morrido sem o baptismo. Mas não. Todo o ser humano é concebido sem pecado".
O baptismo, afirma Anselmo Borges, "não é para apagar o pecado original, que não há; os pais baptizam os seus filhos, porque, desejando o melhor para eles, querem que eles entrem na Igreja, comprometendo-se a educá-los na fé como discípulos de Jesus."
É fácil de perceber, parece-me. Porque, se "toda a criatura recém-nascida vem de Deus", ainda seguindo o raciocínio do padre-filósofo, e eu acredito que vem, como pode alguém nascer com pecado, com defeito? E pronto, já somos pelo menos dois a pensar assim.

Sem comentários:

Enviar um comentário