domingo, 3 de janeiro de 2021

Vasco Graça Moura 9

O melro de visita

o amor não é uma saga cruel:
vejo-a cuidar das plantas no jardim,
brincam as filhas com lápis e papel
e eu escrevo sossegado. é bom assim.
 
na relva, um melro a saltitar, vilão
pretíssimo, esfuzia à cata de algum resto,
ou de mosca azarada: passa lesto
entre duas roseiras: já é verão.
 
mas o melro demanda outro quintal
e do poema, sem jeito e sem disfarce,
sai do bico amarelo em diagonal
 
desajeitada: esvoaça sem maneiras
como um pingo de tinta a escapar-se,
de verde prateado, as oliveiras.


Vasco Graça Moura

(Vasco Graça Moura nasceu no dia 3 de Janeiro de 1942. Morreu em 2014.)

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