Foi ontem. Ou talvez antes. Ou logicamente depois de amanhã.
Eu ia a descer a rua. Ando a coxear, mas como em vez disso
seguro na trela da cadela, funciona como bengala, ou tripata,
e não se nota.
Havia pessoas a subir a rua. Na verdade, talvez não fossem pessoas. Acho que eram mortos, ou o que deles restava. Vinham todos de máscara, e com as cabeças embrulhadas em redes anti-sociais.
Um dia, quando tirassem a rede e a máscara, já não teriam rosto. Seriam uma espécie de bolas de golfe gigantes, sem destino nem apetite.
Na verdade, olhando melhor, nem eram pessoas nem mortos:
apenas alguns ossos, teimando em subir a rua, só para me irritar. Houve um osso que gritou ao chocalhar contra outro. Mas não passava de falso alarme.
Tentei sorrir. Vi que no meio desta triste confusão, também a subir a rua, vinha um beijo. Vestido a preceito, com fato chique completo.
Mas nem isso lhe valeu. Perverso como sou, decidi recebê-lo.
Um dia, quando tirassem a rede e a máscara, já não teriam rosto. Seriam uma espécie de bolas de golfe gigantes, sem destino nem apetite.
Na verdade, olhando melhor, nem eram pessoas nem mortos:
apenas alguns ossos, teimando em subir a rua, só para me irritar. Houve um osso que gritou ao chocalhar contra outro. Mas não passava de falso alarme.
Tentei sorrir. Vi que no meio desta triste confusão, também a subir a rua, vinha um beijo. Vestido a preceito, com fato chique completo.
Mas nem isso lhe valeu. Perverso como sou, decidi recebê-lo.
Manuel Cintra (8 de Maio de 2020)
(Manuel Cintra nasceu no dia 1 de Março de 1956. Morreu só, "presumivelmente durante o fim-de-semana", rezam hoje as notícias.)
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