Foto Hernâni Von Doellinger |
A frase era: "E ao iniciarmos os nossos trabalhos, a todos desejamos uma muito boa tarde". Mas só funcionava se fosse metida no meio de uma marcha militar de John Philip Sousa, que para mim era um músico português de Castelo de Paiva que tinha ido para a América em pequenino. Eu sabia que no Pejão, ali nas redondezas, havia por aquela altura uma grande banda de música, quase tão boa como a nossa, a de Revelhe, e era por isso. Quanto à marcha propriamente dita, de preferência Stars And Stripes Forever. Isso, sim, era serviço profissional. Serviço completo.
Eu adorava os altifalantes. Os altifalantes chamavam por mim e eu ia hipnotizado como um rato atrás do flautista de Hamelin. As marchas de John Philip Sousa eram o indicador, o indicativo. Eram sinal de futebol no Campo da Granja, eram Festa da Bomba, eram o Santo António na minha rua, eram a Senhora de Antime que vinha à vila numa tremenda e comovente procissão. E adorava aquela frase: "E ao iniciarmos os nossos trabalhos, a todos desejamos uma muito boa tarde". Naquele tempo eu sonhava e o meu sonho era dizê-la, à frase, quando fosse grande.
E disse. Vezes sem conta, anos mais tarde, já os altifalantes tinham sido promovidos a "instalações sonoras" e a bola rolava no Estádio de campo pelado. E eu abria com John Philip Sousa. Sim, o microfone agora era meu, eu era o rapaz da "constituição das equipas" e daqueles reclames muito jeitosos que terminavam todos em "... nesta simpática lo-ca-li-da-deee". E nem imaginam o que eu sofria quando andava de catrel pelas aldeias de Fafe, mais o Pimenta, a anunciar os filmes do cinema ao ar livre e sem poder dizer a frase. Mas ali não encaixava de maneira nenhuma a puta da frase. Que seca! E os filmes também.
"E ao iniciarmos os nossos trabalhos, a todos desejamos uma muito boa tarde". Era a frase da minha infância e andou sempre comigo. Até na profissão. Quando passei pela Informação da Rádio Comercial, no tempo da RDP, muitas vezes a disse, como teste, na gravação de uma notícia ou apenas por brincadeira, de microfone fechado, antes de ir para o ar em directo com o noticiário.
A frase nunca chegou cá fora, e foi o que os senhores ouvintes perderam - como certamente estão agora a perceber. Em contrapartida, uma vez, no final de um bloco noticioso particularmente bem conseguido, saiu-nos - ao colega de cabina e a mim - um "Até os comemos!", de microfone distraidamente aberto e destinatários certos, que ainda hoje é o nosso orgulho.
Porque "Até os comemos!" também é uma bela frase e resulta muito bem em rádio. Mas, verdade seja dita, não tem comparação com a outra, a dos altifalantes, pois não?
P.S. - Texto publicado originalmente no dia 10 de Janeiro de 2013. O fenomenal John Philip Sousa - compositor, maestro, militar, atirador desportivo, escritor e etc. - era de facto luso-americano, filho de pai português de origem açoriana. Faria hoje 165 anos se fosse vivo e, nesse caso, seria um fenómeno ainda maior.
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