domingo, 6 de outubro de 2019

Microcontos & outras miudezas 174

Político, honesto e poupado
Era um político tão honesto, tão honesto, que ainda tinha a honestidade por estrear.

O candidato e o microfone
Cansado de esperar pela sua vez, o candidato levantou-se e pediu o microfone. Melhor dizendo: saltou da cadeira e exigiu o microfone, porque ele é que é o candidato, o povo o que quer é ouvir o candidato e blablablá paisano não ganha votos nem dá empregos. O candidato agarrou pois no microfone, coçou-lhe a cabecinha com a unhaca da cera, soprou-lhe o pó num imenso perdigoto e, sem mais delongas, dirigiu-se aos seus caríssimos e suspensíssimos apoiantes, praticamente quinze e em transe:
- Alô, chape, chape, um, dois. Um, dois, três, microfone, experiência. Chape, chape, um, dois. Um, dois, três, quatro, microfone...
E a multidão irrompeu em aplausos.

O maior defeito
"O meu maior defeito? - enfatizou o político -, sou muito exigente e perfeccionista, confesso."

Antes que seja crime
Reuniram-se em segredo - disfarçados, desconfiados, culpados e urgentes. Uma candeia sigilosa e tremente alumiava o silêncio. Sentaram-se à volta de uma generosa vitela assada à moda de Fafe, clandestinos antes do tempo. Antes que seja crime.

Assombro
Era vegetariano e cagava postas de pescada. A ciência nunca soube explicar o fenómeno. 

Prioritário
O sem-abrigo apresentou-se nos serviços sociais e disse Bom dia, sou cão e preciso de uma casa! Deram-lhe um T3+1 decorado e mobilado.

Urgência
Antenor da Silva, utente n.º 257974590 e processo n.º 9374566/04, apresentou-se na urgência do hospital e disse Estou há quinze anos à espera de uma operação a uma hérnia e, é preciso que se note, sou uma tartaruga. Foi operado imediatamente.

Coisas que acontecem
A notícia espalhou-se como fogo em mato seco: um automobilista acabara de atropelar mortalmente uma pega, toda esmigalhadinha. Assassino! Juntaram-se imediatamente o PAN, sobretudo o PAN, a Protectora dos Animais, a Greenpeace, dois dirigentes da Juve Leo, trinta e dois indignados das redes sociais, quatrocentos youtubers, seis cães que tinham levado os donos a almoçar fora e vários elementos do movimento cívico e espontâneo SOS Grilo Careca de Asa Redonda e Perna Curta, que está muito bem organizado para estas emergências. Rodearam o carro, arrancaram o automobilista cá para fora e encheram-no de carolos e caneladas, para ele aprender. Só não chegaram ao linchamento porque, regra geral, desconheciam a palavra, e os poucos que a conheciam de vista confundiam-na com lixamento e achavam que, para lixar o energúmeno, os carolos e as caneladas já estavam muito bem.
Apareceu a GNR. A autoridade aproveitou para também molhar a sopa, quer-se dizer, o automobilista caiu sozinho sobre duas secretárias e esbarrou-se sem ninguém lhe tocar num armário ali no meio da via, e, posto isto, foi-lhe ordenado que se explicasse. O automobilista explicou-se. E convenceu. A Quercus, o PAN, sobretudo o PAN, a Protectora dos Animais, a Greenpeace, os dirigentes da Juve Leo, os tinta e dois indignados das redes sociais, os quatrocentos youtubers, os seis cães da vida airada, os espontâneos do SOS Grilo Careca de Asa Redonda e Perna Curta e a própria GNR fartaram-se de pedir desculpas ao homem e até lhe deram os parabéns e os primeiros-socorros. Tudo não passara de um pequeno mal-entendido, erro de comunicação. Afinal o automobilista não tinha morto uma pega ou Pica pica melanotos, seria uma tragédia, tinha apenas atropelado mortalmente uma pega meretriz de beira de estrada, mulher solteira e mãe de três filhos, toda esmigalhadinha. É chato, mas são coisas que acontecem...

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