Político, honesto e poupado
Era um político tão honesto, tão honesto, que ainda tinha a honestidade por estrear.
O candidato e o microfone
Cansado de esperar pela sua vez, o candidato levantou-se e pediu o
microfone. Melhor dizendo: saltou da cadeira e exigiu o microfone,
porque ele é que é o candidato, o povo o que quer é ouvir o candidato e
blablablá paisano não ganha votos nem dá empregos. O candidato agarrou pois no microfone, coçou-lhe a
cabecinha com a unhaca da cera, soprou-lhe o pó num imenso perdigoto
e, sem mais delongas, dirigiu-se aos seus caríssimos e suspensíssimos
apoiantes, praticamente quinze e em transe:
- Alô, chape, chape,
um, dois. Um, dois, três, microfone, experiência. Chape, chape, um,
dois. Um, dois, três, quatro, microfone...
E a multidão irrompeu em aplausos.
O maior defeito
"O meu maior defeito? - enfatizou o político -, sou muito exigente e perfeccionista, confesso."
Antes que seja crime
Reuniram-se em segredo - disfarçados, desconfiados, culpados e urgentes.
Uma candeia sigilosa e tremente alumiava o silêncio. Sentaram-se à volta de uma generosa vitela
assada à moda de Fafe, clandestinos antes do tempo. Antes que seja
crime.
Assombro
Era vegetariano e cagava postas de pescada. A ciência nunca soube explicar o fenómeno.
Prioritário
O sem-abrigo apresentou-se nos serviços sociais e disse Bom dia, sou cão
e preciso de uma casa! Deram-lhe um T3+1 decorado e mobilado.
Urgência
Antenor da Silva, utente n.º 257974590 e processo n.º 9374566/04,
apresentou-se na urgência do hospital e disse Estou há quinze anos à
espera de uma operação a uma hérnia e, é preciso que se note, sou uma
tartaruga. Foi operado imediatamente.
Coisas que acontecem
A notícia espalhou-se como fogo em mato seco: um automobilista
acabara de atropelar mortalmente uma pega, toda esmigalhadinha.
Assassino! Juntaram-se imediatamente o PAN, sobretudo o PAN, a Protectora dos
Animais, a Greenpeace, dois dirigentes da Juve Leo, trinta e dois
indignados das redes sociais, quatrocentos youtubers, seis cães que
tinham levado os donos a almoçar fora e vários
elementos do movimento cívico e espontâneo SOS Grilo Careca de Asa
Redonda e Perna Curta, que está muito bem organizado para estas
emergências.
Rodearam o carro, arrancaram o automobilista cá para fora e encheram-no
de carolos e caneladas, para ele aprender. Só não chegaram ao
linchamento porque, regra geral, desconheciam a palavra, e os poucos que
a conheciam de vista confundiam-na com lixamento e achavam que, para
lixar o energúmeno, os carolos e as caneladas já estavam muito bem.
Apareceu a
GNR. A autoridade aproveitou para também molhar a sopa, quer-se dizer, o
automobilista caiu sozinho sobre duas secretárias e esbarrou-se sem
ninguém lhe tocar num armário ali no meio da via, e, posto isto, foi-lhe
ordenado que se explicasse. O automobilista explicou-se. E convenceu.
A Quercus, o PAN, sobretudo o PAN, a Protectora dos Animais, a Greenpeace, os dirigentes da Juve Leo, os tinta e dois indignados das redes sociais, os quatrocentos youtubers, os seis cães da vida airada, os espontâneos do SOS Grilo Careca de
Asa Redonda e Perna Curta e a própria GNR fartaram-se de pedir
desculpas ao homem e até lhe deram os parabéns e os primeiros-socorros. Tudo não passara de um
pequeno mal-entendido, erro de comunicação. Afinal o automobilista não
tinha morto uma pega ou Pica pica
melanotos, seria uma tragédia, tinha apenas atropelado mortalmente uma
pega meretriz de beira de estrada, mulher solteira e mãe de três filhos, toda
esmigalhadinha. É chato, mas são coisas que acontecem...
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