Moro mesmo em frente ao mar, se for para a varanda e me puser de lado. Como sabem, na minha rua passa o mar. No meu quintal estacionam navios de passeio mediterranicamente atlânticos, paquetes carregados, descarregados e outra vez carregados de turistas rotundos e supersónicos que conseguem turistar o Norte de Portugal inteiro em menos de oito horas. Há quem chame ao meu quintal, por inveja, Terminal de Cruzeiros do Porto de Leixões. Mas não: é o meu quintal!
Noutro dia estacionou-me ali em baixo o Costa Pacifica. São
mais de 290 metros de navio para 3.780 passageiros. Os cruzeiros que me
batem à porta têm-me dado que pensar, suscitam-me reflexões de pequena e
média profundidade que aqui humildemente partilho com os meus queridos
leitores. E daquela vez vieram-me à cabeça os cus. Os cus que os cruzeiros
descarregam e recarregam.
Cu de turista não é brincadeira, já repararam? É traseiro de
bitola larga e se for cu americano então ocupa o mundo inteiro,
incluindo o México, menos a Alemanha. Até parece que para se ser turista
- turista encartado - é preciso ter um cu daqueles. E o cu alemão
também para lá caminha, não quer ficar atrás. O que diz tudo a respeito
de um cu.
Imagino que sejam muito ricos os camones com que me cruzo nas bordas do Porto de Leixões - eles a saírem todos cheios de good morning e eu, de passagem, "desculpem lá a shit de dog na sola da sandália, é good luck, com os cumprimentos de Matosinhos City".
Tão turistas e tão prendados de cu, têm de ser muito ricos. Engordam e
viajam porque podem. Se calhar são todos reformados da administração do Millennium BCP mas não querem que se saiba.
Os turistas. Chegam e parece-me sempre um congresso de cus com sala de espera no
Passeio Atlântico, que se vê à rasca para aguentar semelhante pesadelo. Toneladas e
toneladas de bagagem extra em traseiros colossais e gingões mesmo à
frente do meu nariz e que até naufragam tuque-tuques. Confesso: é um espectáculo que não pára de
maravilhar-me. Olho para os cus e olho para o barco, e só me apetece
elogiar o génio humano, os avanços da ciência, os milagres da indústria,
a arte e o engenho dos modernos fazedores de navios, supremos
desafiadores das leis da física. Fascina-me aquilo que não consigo
compreender. Para os cus e para o barco, olho. Olho para o barco e penso:
como é que aquilo não vai ao fundo com tanto cu desmesurado lá metido?
P.S. - Texto publicado originalmente no dia 4 de Novembro de 2012.
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