domingo, 6 de janeiro de 2019

Os melhores bolinhos de bacalhau do mundo

Os bolinhos da Albertinha da Lameira
Os melhores bolinhos de bacalhau do mundo eram os da Albertininha da Lameira, em Fafe. Contava a lenda que eram moldados no sovaco da prendada cozinheira, o que lhes emprestaria aquele gosto tão peculiar. A vila antiga dava-se muito a estas lendas: dizia-se também, por exemplo, que os tremoços da Marrequinha da Recta eram a especialidade que eram porque a boa senhora lhes mijava.
A verdade é esta: ainda cheguei a ver a Albertininha, numa tarde de sábado, a fazer a massa dos famosos bolinhos, de alguidar entre as pernas, junto ao fogo da lareira, mas a história do sovaco enformador era uma treta - isso posso jurar, e tive pena.
Os bolinhos do Manel do Campo também eram de se lhes tirar o chapéu. E, de um modo geral, as pensões e os tascos de Fafe faziam gala de confeccionar e servir um produto, como agora se diz, fiel às origens e de altíssima qualidade. Esta tradição local mantém-se, em sítios como, veio-me agora a ideia à boca, o Fernando da Sede (Adega Popular). Os bolinhos de bacalhau com salada de feijão-fradinho e arroz do Fernando surpreendem e encantam os visitantes, e, para os da terra, são uma esplêndida entrada para a vitelinha que há-de vir. Mas isso, nos tempos que correm, é já refeição a pedir uma segunda hipoteca da casa.
É. Os bolinhos "de morrer por mais" são no Minho - bem o sabia mestre Aquilino. Em Fafe, é claro, mas também no Manuel Padeiro e no Gaio, em Ponte de Lima e em dias sim, ou no Conselheiro, em Paredes de Coura, sempre. Em sítios assim, que os há bons e tantos.
Parece-me tolice, portanto, criar uma task force de "especialistas" e simpatizantes, como fez o jornal Público, para provar bolinhos de bacalhau comprados em pastelarias e cafés de Lisboa e do Porto. Ainda por cima, os lisboetas chamam "pastéis de bacalhau" aos bolinhos de bacalhau. (É como os franceses chamarem "fromage" a uma coisa que toda a gente sabe que é queijo). Só podia dar merda e deu. Já se sabia. Já deviam saber. Qual era a ideia? E tomem nota os doutos paineleiros: o resultado seria o mesmo se mandassem vir arroz de grelos, pastelões de petinga, pataniscas ou caldo de nabos. Os cafés e as pastelarias do Porto e de Lisboa não são para esses preparos, estão a perceber? Vá lá, o caldo de nabos... talvez.

P.S. - Escrito e publicado originalmente no Tarrenego! no dia 5 Março 2013.

Os piores bolinhos de bacalhau do mundo
O piores bolinhos de bacalhau do mundo são num pequeno café, em Penafiel. Três mesas, dois jornais, um balcão sumário e a simpatia imensa do dono. Os bolinhos são tão maus, tão maus, que nunca falho quando por lá passo a horas de aperitivar. Meto o pé no degrau da entrada, ao baixo, e sai logo meia dúzia de pedras de gelo directamente da arca frigorífica para a fritadeira de óleo cansado, que é "Para o senhor, para serem fresquinhos". Agradeço a deferência e reservo-me. Cinco minutos, não mais. As pedras de gelo vêm para a mesa a ferver e a pingar, agora em forma aparentada com a dos verdadeiros bolinhos de bacalhau, queimam-me a boca e antes assim, que enganam o paladar. Não sabem ao bacalhau que não têm, mas também não sabem à batata que são só. Escangalham-se ao toque. São maravilhosamente intragáveis e eu como-os. Já disse: o patrão é gente boa e tem três mesas e dois jornais no estabelecimento. Sei dar valor às coisas verdadeiramente importantes. Para apagar o incêndio, bebo uma taça de um obscuro vinho branco de cápsula que sabe a remédio mas não faz bem.
A minha mulher e eu descobrimos o cafezinho por acaso e já lá levei três ou quatro amigos. Para provarem "os piores bolinhos de bacalhau do mundo", é o que lhes prometo, e os amigos depois concordam. Aqueles bolinhos nunca me deixaram ficar mal. Merecem um prémio.
Até porque nos abrem horizontes. A seguir, íamos à Pita Arisca, em Lousada, comer o melhor cabrito do mundo...

P.S. - Escrito e publicado originalmente no Tarrenego! no dia 6 de Março de 2013.

(Miguel Esteves Cardoso escreve hoje sobre bolinhos de bacalhau no jornal Público. O bom do Miguel nasceu em Lisboa, estudou em Inglaterra e só um destes dias é que descobriu o Minho. Também ele chama pastéis de bacalhau aos bolinhos do mesmo, mas é o Miguel, está desculpado...) 

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