Quando os padres chegaram, declarou-se grande surto de milagres,
portentos e ressurreições. Construíram a capela, fizeram a consagração e, no dia
seguinte, o chão se abriu para engolir, um por um, todos os que consideraram
aquela edificação uma atividade absurda e se recusaram a trabalhar nela.
Levantaram as imagens nos altares e por muito tempo ninguém mais morria
definitivamente, inclusive os velhos cansados e interessados em se finar logo de
uma vez, até que todos começaram a protestar e já ninguém no Reino prestava
atenção às cartas e crônicas em que os padres narravam os prodígios operados e
testemunhados.
Deitava-se um velho morto ao pé da imagem e, depois de ela
suar, sangrar ou demonstrar esforço igualmente estrênuo, o defunto, para
grande aborrecimento seu e da família, principiava por ficar inquieto e
terminava por voltar para casa vivo outra vez, muitíssimo desapontado. Assim,
não se pode alegar que os padres só obtiveram êxitos, mas conseguiram
bastante de útil e proveitoso, apesar de tudo isso haver piorado os sofrimentos
da cabeça do caboco Capiroba.
De manhã, assim que o sol raiava, punham as
mulheres em fila para que fossem à doutrina. Depois da doutrina das mulheres,
que então eram arrebanhadas para aprender a tecer e fiar para fazer os panos
com que agora enrolavam os corpos, seguia-se a doutrina dos homens,
sabendo-se que mulheres e homens precisam de doutrinas diferentes. Na doutrina da manhã, contavam-se histórias loucas, envolvendo pessoas mortas de nomes exóticos.
"Viva o Povo Brasileiro", João Ubaldo Ribeiro
(João Ubaldo Ribeiro nasceu no dia 23 de Janeiro 1941. Morreu em 2014.)
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