Até amanhã, se Deus quiser
Gosto que me digam "Até amanhã, se Deus
quiser". Gosto. Gosto que me digam "O Senhor te abençoe". Gosto. Gosto
que me digam "Vai com Deus". Gosto. Acredito em bênçãos, mas execro as
benzeduras. Como acredito na oração, mas dispenso as rezas. Acredito.
Dispenso intermediários, agentes, representantes, vendedores e empresários - eu e Deus é assunto
nosso, ligação directa. Dispenso também os novos profetas e as novas profetisas, o
Facebook, o Instagram, o Twitter, as mensagens em cadeia e às vezes o
Diário de Notícias. Dispenso.
Gosto de pedir a bênção, gosto que
me abençoem. Eu pedia a bênção beijando a mão aos meus avós da Bomba e
aos meus avós de Basto. Pedia a bênção ao meu pai, à minha mãe, ao meu
padrinho, à
minha madrinha, aos meus tios e às minhas tias. Até às tias chegadas à
família por casamento, que no princípio achavam aquilo um bocado
estranho, mas que depois se habituaram e creio que gostam.
Fiquei traumatizado para toda a vida, como diria o outro que disse Foucault.
Gosto
tanto de ser abençoado, que a minha mãe já sabe: as nossas despedidas
só estão completas quando ela me diz "O Senhor te abençoe! Fica com Deus!", e
eu digo "Obrigado!", sem saber onde meter as mãos e as lágrimas. Pelo
sim e pelo não, tusso.
Gosto de bênçãos, acredito nas bênçãos. Porque sim, e não por respeito
ou porque me ensinaram ou obrigaram em pequenino. Sou interesseiro.
Preciso de bênçãos como de pão
para a boca, as bênçãos fazem-me tanta falta como o ar que respiro, como
água no autoclismo. Sou abençoado por ter um amigo que há anos
me abençoa sem juros e não acredita em bênçãos, e o que é que isso
interessa? Pelo contrário, a Senhora Dona Maria Amélia abençoa-me
todos os dias cerca das sete e meia da manhã. Madrugo de propósito para
encontrá-la na minha caminhada diária pela marginal Matosinhos-Porto.
A minha abençoadora das 7h30 vem de Gondomar e àquela hora já está
prestes a apanhar o(s) autocarro(s) de regresso a casa. Não consigo
imaginar a que horas é que ela sai da cama. Tem as pernas vergadas pela
idade, talvez 84 anos, não sabe bem, e pela vida, dez filhos, muito
trabalho e desgostos mais do que a conta. Vê-me, levanta o braço direito
e diz-me, num largo e comovente sorriso, "Bom dia, vá com Deus!"
E eu fico pronto. Claro que a Senhora Dona Maria Amélia diz "Bom dia, vá
com Deus!" a toda a gente. A maioria não liga, ignora-a ou sorri-se
dela, pior para eles e mais sobra para mim.
Quando a minha mulher, o meu filho, a namorada do meu filho, o Lando, o
Jorge, o Lopes, o Nestes e outros amigos que me visitam saem cá de casa,
digo-lhes sempre, à porta, "Vai com cuidado!", e repito quantas vezes
forem precisas até obter uma resposta. Um "Sim!" ou um "Tá bem..."
sossegam-me. Digo "Vai com cuidado!" porque vi muito A Balada de Hill
Street e, por outro lado, sinto que não tenho estatuto para dizer "Vai
com Deus!" Mas eles sabem que, nas entrelinhas do coração, o que lhes
estou realmente a dizer é "O Senhor te abençoe, vai com Deus!" e,
sobretudíssimo, "Até amanhã, se Deus quiser"...
Lições de História: Lucas Evangelista
Lucas era talvez médico e terá vivido na cidade grega de Antioquia,
podendo ter sido um dos poucos cristãos originais que conviveram com os
doze apóstolos. Admite-se que tenha emparceirado com Paulo e será,
segundo a tradição, o autor dos Actos dos Apóstolos e do Evangelho de
São Lucas, como o próprio nome indica, sendo por isso também conhecido
como Lucas Evangelista. Depois de ter passado pelo Estoril, joga actualmente no Nantes, França, e é médio, não
médico - e isto é certo.
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