Quando o SIRESP vinha de motorizada
O mal dos incêndios dominados é que não gostam que lhes chamem isso:
dominados. É uma questão de orgulho macho. E então arrebitam e continuam
a
arder lampeiramente uma semana depois de terem sido decretados dominados
aos microfones da CMTV, e a CMTV fica toda contente, porque a CMTV é do
ramo do sarrabulho e do fumeiro - disso vive, em lume brando. Os
oficiais da Protecção Civil, doutores da mula ruça porém pessoas muito
honradas e de boina, que antes deste rico emprego nunca tinham posto os
pés num incêndio, tiraram um
curso relâmpago de Teatro de Operações, Forças no Terreno, Frentes
Activas, Meios Aéreos & Pontos de
Ignição e gostam de dar na televisão: o mais que dizem é que os
incêndios de manhã, se não estão já dominados, vão entregar-se às
autoridades a meio da tarde. Os oficiais da Protecção Civil e os
políticos que os pariram inventaram um novo dicionário,
especializaram-se em semântica, graduaram-se em eufemística e falam
muito do que sabem nada...
Os bombeiros estão lá no centro do vulcão a derreter, mas a eles agora
ninguém lhes pode perguntar. E ainda bem, porque lá dentro faz muito calor e o
calor dilata os copos. O senhor da boina no camião de Fórmula 1 com ar
condicionado é que sabe, e bebe águas das pedras. Geladas. E há briefings bidiários com groselha.
Quando o monte ardia, os bombeiros iam.
Os bombeiros voluntários. Naquele tempo ninguém sequer sonhava ganhar
dinheiro por fazer de conta que apaga incêndios - eram uns tolos. Não
havia rede, satélites, parabólicas ou fibra óptica, ainda não havia
radiotelefones ao serviço, os telemóveis ainda não tinham sido inventados e nem
sequer havia cabinas telefónicas nos montes. Parece impossível, mas lá
em cima, no meio da penedia e das giestas, no Portugal das cabras e dos
cabrões, não havia telefone de espécie nenhuma. E não havia SIRESP,
graças a Deus. Que se segue: se eram precisos reforços, alguém vinha de
motorizada dar o recado ao quartel...
O mal dos incêndios dominados é que não gostam que lhes chamem isso:
dominados. Freud explicaria muito melhor do que eu, mas eu, de momento,
não tenho o Freud aqui à mão e, com isto do desemprego, perdi-lhe o
número do telemóvel. Por outro lado, os
incêndios estão desgostosos por lhes terem trocado o nome e mudado o
objecto social. Objecto social, sim: o fogo é hoje em dia um negócio
como outro qualquer - como a guerra, como a droga ou como a cirurgia
plástica, por exemplo -, com múltiplas plataformas de exploração e
sinergias que não param de exponenciar-se, a jusante e a montante, um
extraordinário negócio que distribui transversalmente milhões e milhões e
milhões de euros ou dólares consoante o paraíso, uma indústria em que
todos ganham e em que apenas Portugal e os portugueses do rés-do-chão
ficamos a perder.
Chamavam-se
fogos antigamente e eram para apagar. Exactamente, fogos. E para apagar.
Velhos tempos, coisas simples: Portugal ardia menos e não havia tanto
teatro... de operações.
P.S. - Minúsculo esclarecimento, provavelmente desnecessário: Teatro de Operações, vulgo TO.
(7 de Agosto de 2016)
E cá vamos morrendo, graças a Deus
Ninguém diga que está livre. Mas. Em Portugal não precisamos do
terrorismo alheio para nos refodermos com assinável pertinácia: temos os
incêndios, temos árvores carunchosas, temos andores idiotas e temos a
Autoridade Nacional de Protecção Civil. E cá vamos morrendo, graças a
Deus, que também não somos menos do que os estrangeiros.
P.S. - Temos também, evidentemente, as selfies com o Presidente da República.
(19 de Agosto de 2017)
Combustão espontânea e... organizada
Os incêndios por combustão espontânea acontecem, mas, ao contrário do
que o próprio nome indica, às vezes dão algum trabalho a organizar.
Lembram-se ou já ouviram falar das populares manifestações espontâneas
de apoio ao Senhor Presidente do Conselho no tempo de Salazar?
Manifestações espontâneas, exactamente. Imaginam o que esse teatro a
preto e branco implicava de preparação e logística, de aluguer de
camionetas e distribuição de letreiros a bem da Nação, de farnéis e
garrafões de vinho a encomendar, de reuniões nos grémios e nas
corporações, de noites sem dormir por parte de presidentes de junta,
regedores, párocos fascistas, presidentes de câmara, governadores civis,
comandantes locais da Legião Portuguesa e dos Bombeiros, chefes da
Polícia e sargentos da Guarda, bufos da Pide, patrões da indústria e
caciques de outras marcas?...
Pois com os incêndios é o mesmo. Para que aconteçam espontaneamente, e
acontecem, é regra geral preciso que alguém acenda um fósforo. Há coisa
de duas semanas fomos dar uma voltinha de mata-saudades pelo Alto Minho.
De Esposende para cima, passámos por queimada atrás de queimada com
ninguém à volta e à vista. Eu abro a janela, porque gosto daquele cheirinho a Natal
antecipado, mas a minha mulher ficou aflita, disse-me que ainda não
estávamos na época, que aquilo era ilegal e perigoso, muito perigoso. E
se calhar a minha mulher tinha razão...
(17 de Outubro de 2017)
Francisco George e o jovem Mourato Nunes
O extraordinário director-geral da Saúde Francisco George foi reformado
há quinze dias porque fez 70 anos, o velhote. A Dra. Graça Freitas que o
substitui de momento e que me perdoe, mas estávamos tão bem servidos...
Por outro lado: o tenente-general Mourato Nunes, antigo comandante-geral
da GNR, foi hoje anunciado como novo presidente da Autoridade Nacional
de Protecção Civil. O jovem Mourato Nunes fez 71 anos em Abril e está aí
para as curvas...
Eu não posso, porque sou uma pessoa educada, mas alguém havia de mandar foder quem faz pouco de nós assim...
(5 de Novembro de 2017)
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