Carta
Quando partiste ainda havia
Um sol como de verão.
Partiste, e logo a invernia
- Triste do meu coração -
Rompeu de cara sombria.
Mar que vias da janela,
Tão sereno e tão azul,
Torvo ao largo se encapela
Com as lufadas do sul,
Dando núncios da procela.
Uma avesita arribada,
Que à tarde poisou aqui,
Soltou um pio magoada;
Como eu as tenho de ti
Teve saudades, coitada!
Saudades… se breve espero
Ver-te, que estás a dois passos?
Sempre a um pai é desespero
Não ter a filha nos braços,
E eu como a filha te quero.
De passagem te direi
Que ontem, descendo o valado,
Com a casa defrontei,
E, vendo tudo fechado,
Por vergonha não chorei.
Quando do alto do casal
Me avistavam da janela,
Que alegria triunfal!…
Eras tu, e a Filomela,
E os lenços num vendaval!
- "Depressa, que o tio espera,
Jantar na mesa, são horas."
E a tentar cara severa,
E rindo como as auroras
Dos dias da primavera!
Agora vêm da invernia
As cordas d’água puxadas
Na força da ventania,
E essas janelas cerradas,
E eu sem a vossa alegria!…
Já nem sei o que escrevi…
Vou fechar a carta. Adeus!
Guarda um beijo para ti,
Dá-me um abraço nos teus,
Y nó te olvides de mi!
"Faíscas de Fogo Morto", Bulhão Pato
(Bulhão Pato nasceu no dia 3 de Março de 1828. Morreu em 1912.)
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