Seminário de Braga. A memória é fácil - foi em 1974 e no sábado do Domingo de Ramos havia Festival da Canção. Era a grande noite, a verdadeira, tempos outros. Deixaram-nos ir para a sala da televisão, ouvimos as cantigas a preto e branco, apresentadas pela Glória de Matos e pelo Artur Agostinho, mas na hora da votação, a parte mais emocionante, os do orfeão, à inapelável voz de comando, desatámos a descer por umas escadas de que nem sabíamos e, num lampo, chegámos à rua. Ia passar a procissão. Era a nossa vez de cantar. O estrado com degraus estava montado logo ao pé da porta, no cantinho do Largo de Santiago, defronte do Governo Civil. Cantámos o "Miserere", como mandava a tradição. E era digno de ser ouvido, minhas senhoras e meus senhores: nós cantávamos a cores.
Cantámos numa fervurinha mas como querubins, como querubins apressados, a procissão parou e passou, em nome do Pai do Filho e do Espírito Santo amém, e toca a galgar a escadaria (que já não era secreta) com o coração aos saltos, quem é que ganhou, quem é que ganhou, mas afinal quem é que ganhou? Foi o Paulo de Carvalho, foi "E Depois do Adeus".
Ao contrário do que alguém possa ainda pensar, por causa da história das senhas radiofónicas do 25 de Abril, "E Depois do Adeus" é apenas uma notável balada de dor de corno, sem qualquer submensagem política. Muito bem cantada, isso sim, e com uma orquestração (do maestro José Calvário, também autor da música) do melhor que alguma vez se fez ou virá a fazer no nosso país.
Há mais de 40 anos que ando com esta Páscoa no ouvido. E não por causa da bela canção do Paulo de Carvalho. É o "Miserere". O "Miserere" ensinado e dirigido pelo bom padre José Sousa Marques, se não erro no nome, entre nós o Galinhola por causa dos seus meneios. O "Miserere" que ainda sei de cor e com o qual, volta e meia, puxando pelo lamentável baixo-barítono que sobrevive dentro de mim, atazano o orelhame do pessoal cá de casa.
As saudades fizeram-me isto: fui hoje à procura do meu "Miserere" no YouTube e não o encontrei. Quem sou eu para desgostar do sublime "Miserere" de Allegri, que está em todo o lado como Deus Nosso Senhor, mas - deu-me para aqui - hoje, depois do bacalhauzinho assado no forno, o "Miserere" bracarense é que me compunha...
Abril de 1974 foi um mês muito mal organizado em Portugal, e tomemos 2018 como termo de comparação: o Festival da Canção realizou-se a 6, o Domingo de Ramos a 7 e a Páscoa a 14. Vistas bem as coisas, só o 25 de Abril é que calhou no dia certo. Por outro lado, é lamentável que a Páscoa deste ano seja levada a efeito no Dia dos Enganos...
P.S. - Este texto foi revisto, corrigido e actualizado aqui.
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