Dez anos de enamorado, mal sucedido, consumira em Lisboa o bacharel provinciano. Para fazer-se amar da formosa dama de D. Maria I minguavam-lhe dotes físicos: Domingos Botelho era extremamente feio. Para se inculcar como partido conveniente a uma filha segunda, faltavam-lhe bens de fortuna: os haveres dele não excediam a trinta mil cruzados em propriedades no Douro. Os dotes de espírito não o recomendavam também: era alcançadíssimo de inteligência, e granjeara entre os seus condiscípulos da Universidade o epíteto de "Brocas", com que ainda hoje os seus descendentes em Vila Real são conhecidos. Bem ou mal derivado, o epíteto Brocas vem de broa. Entenderam os académicos que a rudeza do seu condiscípulo procedia de muito pão de milho que ele digerira na sua terra.
Domingos Botelho devia ter uma vocação qualquer, e tinha: era excelente flautista; foi a primeira flauta do seu tempo; e a tocar a flauta se sustentou dois anos em Coimbra, durante os quais seu pai lhe suspendeu as mesadas, porque os rendimentos da casa não bastavam a livrar outro filho de um crime de morte.
"Amor de Perdição", Camilo Castelo Branco
(Camilo Castelo Branco nasceu no dia 16 de Março de 1825. Morreu em 1890.)
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