quinta-feira, 15 de dezembro de 2016

Roque Callage

Sentinela alerta dia e noite, qual ronda altaneira da campina, o Quero-Quero é o representante da espécie que arremete, com coragem, a solidão. Quebra-a brioso, com valentia decisiva, e ei-lo pronto sempre ao primeiro sinal de alarme. Ao menor ruído, enche os espaços e as várzeas longas, com a onomatopéia estridente de quero, quero, quero!...
Assim o conheci, assim o conhecem todos que por aí andam no campo. Não mudou ainda a sua vida, não mudaram ainda os seus hábitos de atalaia intempestivo dos banhados e dos planos desertos.
Ninguém de memória fresca, sabido nas coisas simples, lá de fora, viajado na livre campanha destendida, o viu noutra atitude que não fosse essa, de bombeiro perscrutante das quebradas. Que o digam gaúchos do meu respeito, patrícias de meus pagos, filhos do mesmo rincão coroável, amigos da querência "Saudade" ou das baixadas da Porteirinha, no município onde nasci e de onde, taludo depois, rumei depois para outras terras, para outras bandas incertas, correndo mundo, como gente...
Quero-Quero!...
A quem escuta, assim, a cada passo atroando os ares com o alarido de sua garganta de aço, parece, pelos modos, ouví-lo num querer sofrêgo, todo um egoísmo vibrante que o puro pernalta crioulo espalha pelo vazio melancólico dos ermos. Engano, porém! Lá está limitada, restringida à existência agreste da terra, toda a justa razão de ser do seu querer: liberdade da própria campina em que vive; respeito ao seu lar modesto resumido numa macega, num banhado, numa encosta sossegada de lagoa...
E é tudo o que o Quero-Quero quer...

Roque Callage
 
(Roque Callage nasceu no dia 15 de Dezembro de 1888. Morreu em 1931.)

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