domingo, 9 de outubro de 2016

José do Patrocínio

O seu nome era Manuel da Mota Coqueiro. Fora, havia três anos, um homem abastado, influência política de um município, um dos convidados indispensáveis nas melhores reuniões; agora não era mais do que um padecente resignado mas tido por perigoso e por isso espionado e guardado solicitamente pela força pública, enquanto que, olhado como um ente repulsivo, servia de pasto à curiosidade vingativa de uma sociedade inteira.
Com o andar vagaroso, porém firme, veio colocar-se no meio da clareira. Acompanhou o sacerdote, que em uma das mãos tinha um livro e na outra um pequeno crucifixo.
Aos lados desses dois homens inermes, viam-se o carrasco e oito soldados com as baionetas caladas.
Pairava sobre este grupo a solenidade da morte.
Alto, magro, com as faces escaveiradas e ictéricas, marcadas por uma grande mancha arroxeada, as pálpebras entrecerradas, completamente brancos os compridos cabelos, as sobrancelhas extremamente salientes e espontadas, e as barbas longas de sob as quais lhe pendia de volta do pescoço até a cinta, em torno da qual se enroscava, o baraço infamante: Mota Coqueiro tinha mais a aparência de um mártir do que a de um celerado.
Cruzados sobre o peito os braços algemados, a cabeça inclinada, os olhos fitos no chão, imóvel no meio daquela multidão agitada, que se colocava nas pontas dos pés para melhor fitá-lo, o seu porte solene, a compostura evangélica do seu semblante faziam pensar ou na mais requintada hipocrisia, ou no mais inexplicável dos infortúnios.
Ao lado desse rosto, cuja expressão fora amortecida pela desventura, - contraste enorme, - aparecia o carão negro, estúpido e truculento do carrasco, surgindo de sob o gorro vermelho como um vômito fuliginoso da garganta de uma fornalha.
Fuzilava-lhe nas feições o garbo bestial do crime.

"Mota Coqueiro ou A Pena de Morte", José do Patrocínio

(José do Patrocínio nasceu no dia 9 de Outubro de 1853. Morreu em 1905.)

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