E eu fui. Comprei o vinho e escrevi o texto. Um texto pequeno que andava à volta disto: o Saddam gosta de Mateus Rosé. Era capaz de ter também alguma graça, já não me lembro, mas quando digo andar à volta é mesmo andar à volta, fazer chouriço, meter palha, usar e abusar da técnica de composição musical da variação (e fuga), porque a "notícia" não tinha mais nada para dizer, era oca por dentro. E foi manchete no dia seguinte.
(Permitam-me abrir aqui um parêntese pedagógico, para proteger os caros leitores da tentação de conclusões precipitadas e injustas acerca do meu jornal. Deixem-me esclarecer o seguinte: num certo sentido, o 24horas foi o precursor do jornalismo que hoje se faz em Portugal - um jornalismo de títulos, colorido e imaginativo, a que, para ser perfeito, só falta o pequeno pormenor da informação. Hoje os jornais portugueses são todos iguais ao 24horas. Uma diferença apenas os separa: o 24horas era, nos seus bons tempos, o melhor pior jornal do País; era um mau jornal muito bem feito. E ficava barato ao dono. Depois veio a rapaziada e tomou conta.)
Meti a caixa de vinho num armário da redacção. Eu já tinha aprendido que as geniais ideias vindas de Lisboa padeciam de tesão breve e alzheimer. Regra geral, no dia seguinte os nossos criativos e bem-intencionados chefes já não se lembravam das figuras tristes que nos tinham mandado fazer no dia anterior. E mandavam-nos fazer outras. Assim foi.
Em Dezembro de 2003 apanharam Saddam e eu pensei: "Agora é que era de lhe mandar o Rosé, para lhe animar o Natal na prisão". E deixei-me estar. O ex-presidente iraquiano foi executado três anos depois, como se viu no YouTube, e as garrafas lá continuaram no armário, até ao dia em que Lisboa veio ao Porto anunciar que o Porto ia fechar para salvar o jornal. Isto é, para salvar Lisboa. Começava o ano de 2009 e desfizeram-se de nós. Eu trouxe para casa duas garrafas do Mateus Rosé de Saddam Hussein.
O 24horas acabou por não se safar, mas "Lisboa" sim e é o que eu lhes estimo. As duas garrafas de Mateus Rosé ainda cá estão, a fazerem de pai e mãe de uma outra, de aguardente do Salazar, parece que engarrafada pelo próprio, como me garantiu, no acto da oferta, o sobrinho-neto do nosso estimado ditador. Estão bem umas para as outras, as garrafas. E os outros também.
(Texto escrito e publicado no dia 9 de Março de 2012. O jornal 24horas nasceu em 1998 e morreu oficialmente em 2010, um ano depois de os seus alegados responsáveis terem liquidado a sangue frio a Redacção do Porto. Podem limpar as mãos à parede. Mas tinha piada o pasquim, que até chegou a ser bem feito, e é a bíblia do jornalismo que hoje se faz em Portugal.)
FABULOSO !!!
ResponderEliminarHoje vou dormir a rir.
Mas amanhã volto, podem ter a certeza!
Gaspar de Jesus
Obrigado, Amigo Gaspar de Jesus, pela visita e pelo comentário.
EliminarEsta é demais! :-)
ResponderEliminarGrande abraço e obrigado
Nestes
Obrigado eu, Nestes, pela visita e pela habitual simpatia no comentário. Grande abraço.
EliminarNao terão ficado em qualquer armario desse teu jornal algumas lembranças para o Bin Laden ; o José Socrates ; o Pina Moura? Por isso temos que dar razao ao Sr. Godinho das sucatas, o azar dele é que as suas lembranças nao cabiam em armarios mas sim em garagens!
ResponderEliminarAbraço Miguel
Obrigado, Miguel, pela visita e pelo comentário. E por falares no Sr. Godinho das Sucatas, lembrei-me que tenho de ir ao peixe...
EliminarNa tua zona é de " boa rede "! Mas cuidado nao vas ter oferecer alguma garrafa de qualquer coisa para poderes acender o fogareiro! Se nao tiveres o que oferecer lembrei-me de : 1 garrafa do celebre Licor de Merda para enviar aos Paços ( será Paços ou Passos ??? ) do teu concelho!
ResponderEliminarAbraço Miguel
Sei o que queres dizer, mas não digo! Faz de conta que fica cá entre nós. Abraço.
EliminarCaro Hernâni
ResponderEliminarLembro-me muito bem do nascimento do 24Horas. Foi pioneiro em tudo o que de mau se faz hoje no jornalismo, mas apesar de tudo, fazia-o com classe. Ah, já me esquecia, pagava muito acima da média e com isso atraiu alguns dos maiores jornalistas da nossa praça, como é o teu caso. Não, não digo isto por ser-mos amigos, digo-o por ser verdade.Pena tive eu, de não ter sido convidado...! É que, sempre que estivesse desmotivado pela merda do serviço que fazia, apenas teria de consultar o recibo do vencimento.
Mas depois "veio a rapaziada". Eu, que já não tenho muito mais para perder, direi, - veio a canalha. Canalha cujo divertimento, era, sei-o bem, agendar aos "murcões do Porto" trabalhos que só lembrariam aos loucos, para depois se rirem,até lhe doer a barriga, durante a degustação de uma mariscada, ou, "durante um qualquer bacanal", (reunião de pessoas bacana). Temo que gentinha como essa possa estar a ocupar o posto de trabalho que falta a Gente com valor, porque se assim for, pior estará o doente. e neste caso o doente é o Jornalismo português.
Grande abraço
Gaspar de Jesus
Prometeste voltar e cumpriste. Obrigado, Amigo Gaspar, por mais esta visita e pelo comentário. Mas não sejas tão duro com os rapazes...
EliminarEheheheheheh.
ResponderEliminarAguardo ansiosamente pelos próximos capítulos da hilariante saga vinteequatroriana!
Aquele abraço,
P.
Lá voltaremos! Muito obrigado pela visita e pelo comentário. Grande abraço.
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