Uma vez o chefe mandou-me ligar ao Presidente da República, a todos os antigos presidentes da República vivos, ao primeiro-ministro, a todos os ex-primeiros-ministros vivos, ao presidente da Federação Portuguesa de Futebol, ao seleccionador nacional, aos presidentes e treinadores de FC Porto, Benfica e Sporting, ao Freitas do Amaral (já não me lembro como é que este apareceu na lista, mas ele aparece sempre), ao cardeal-patriarca de Lisboa e... ao Papa. "Ao Papa?", perguntei eu, só para ter a certeza. "Sim, pá! Liga ao Papa! Queremos um depoimento do Papa sobre o desaparecimento da Maddy". Foi assim, palavra de honra, que o chefe me respondeu.
Portanto tinha de ligar ao Papa. O resto era fácil, era como se já estivesse feito. Pelo prestígio, pelo rigor e seriedade, pela sua inatacável ética editorial, o jornal onde eu trabalhava tinha praticamente linha directa com aquela gente toda. Agora Sua Santidade, isso, sim, era um desafio. Claro que eu podia enfiar-me no bar o dia inteiro a "tentar ligar ao Papa" e à hora do fecho avisava o chefe, em Lisboa, de que "Não consegui, pá, desculpa, o gajo armou-se em difícil, não fala, eu ainda disse que ia da tua parte, mas nem assim o tipo se descoseu, sabes como são os alemães, teimosos de merda". Porém eu não frequentava o bar.
Pensei então: o que é que há de mais parecido com o Papa e a que eu possa realmente chegar? E lembrei-me: o cardeal português D. José Saraiva Martins, que também estava em Roma como o outro e creio que ainda era prefeito da Congregação para as Causas dos Santos. Meti as mãos ao caminho, fiz chamada atrás de chamada e ao fim da tarde consegui enfim falar com ele. Atendeu-me cheio de bondade e essessss nassss palavrassss. Conhecia o caso e deu-me a sua opinião numa conversa de quase um quarto de hora. Falou-me da menina desaparecida, disse-me que rezava por ela, mas lembrou, com lucidez e sabedoria, que é fundamental que os pais não se ponham a jeito (a expressão é minha) para que semelhantes tragédias aconteçam. Vocês também percebem, tal como eu percebi, para quem é que o nosso cardeal enviava este recado...
No fim, D. José Saraiva Martins fez-me um pedido: "Olhe, depois mande-me o jornal, se faz favor". E eu mandei. O meu jornal era o 24horas. Exactamente. O jornal com as gajas todas boas e as mamas ao léu. Deve ter sido um sucesso no Vaticano.
(Texto escrito e publicado no dia 24 de Fevereiro de 2012. "Liga ao Papa!" foi o título que então lhe dei. O jornal 24horas nasceu em 1998 e morreu oficialmente em 2010, um ano depois de os seus alegados responsáveis terem liquidado a sangue frio a Redacção do Porto. Podem limpar as mãos à parede. Mas tinha piada o pasquim, que até chegou a ser bem feito, e é a bíblia do jornalismo que hoje se faz em Portugal.)
Esta é digna de um filme. Eheheheehehehe.
ResponderEliminarO problema é que haverá gente por aí que não acredita que episódios destes tenham mesmo acontecido. Até eu, que vivi alguns, penso em como foi possível terem acontecido...
(nota: fonte próxima do Vaticano garante-me que sua Santidade ainda tem a página das Belas e Perigosas afixada na parede do quarto!)
Grande Abraço,
P.
Obrigado, caro P., pela visita e pelo comentário solidário. Grande abraço.
EliminarEstás a ver Hernâni, como faz sentido o desafio que te lancei à dias.
ResponderEliminarHá por aí tanto "escriba" a gastar caracteres com coisas sem interesse...!
Um dia vais precisar deste material, acredito eu!
Gostava de ter visto o que aconteceu lá no Vaticano com a chegada do 24 Horas... será que o D. José guardou as mamalhudas só para ele, ou deu uma geraldina para resto da velhada...?
Gaspar de Jesus
Obrigado, caro Gaspar de Jesus, pela visita e pelo comentário de Amigo.
EliminarAo que me costa D. José Saraiva Martins ainda guarda na mesinha de cabeceira algumas dessas gajas boas. Não é por nada de maior, ou menor? Bem, será apenas para se lembrar de como se faz "bom jornalismo" em Portugal.
ResponderEliminarG.J.
Eheheheheheheh, outra vez!
ResponderEliminarEsqueci-me de te dizer na altura que, se tivesses pedido, eu tinha o número do Ratzinger. Quis foi ver-te sofrer!
Abração,
P.
É para assinalar o quinto aniversário da merda que fizeram. Abraço.
EliminarEscreve um livro com estes episódios, Hernâni!
ResponderEliminarGrande abraço
Nestes
Abraço, Nestes.
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