Mas os gafanhotos. Os gafanhotos eram absolutamente essenciais, alimentavam heróis em construção, forjavam homens de aço, oleavam máquinas de guerra que haveriam de ser. Eram, repito, absolutamente essenciais, naturalmente curriculares. Os gafanhotos e a pancada.
Eram assim os Comandos, para onde não fui voluntário, é preciso que se
note. Havia um cuidado muito grande com a nossa alimentação. Por
vontade de quem mandava, nós, os desprezíveis instruendos, estaríamos
sempre a comer, às mãos desabridas de sargentos e cabos com idade para
serem coronéis, com poderes de general, práticas de verdugos
descontrolados e tremendas saudades ultramarinas. Consta que, quarenta
anos passados, os Comandos ainda são assim. E que às vezes "as coisas
correm mal"...
Em 1978 correu mal uma aula de morteiros. Um instrutor jactante e
incompetente, como se exige que sejam os instrutores, apontou para o
infinito, despoletou a granada e, sem querer, deixou-a escorregar tubo
abaixo. Pum! O morteiro só parou em cheio num centro comercial da
Amadora, por acaso com pessoas dentro. Sei disto porque estava lá, do
lado do morteiro e do instrutor palerma. E, para evitar problemas com a
população, não me deixaram vir a casa nesse fim-de-semana.
Quanto aos gafanhotos, fritos e de escabeche talvez marchassem melhor. E depois um golinho de água, por favor...
Naquele tempo eu já tinha visto na televisão a preto e branco a série
Kung Fu, com David Carradine, mas ainda não conhecia a anedota "O Mestre
e o Gafanhoto", que haveria de ouvir anos mais tarde contada numa
cassete pelo menestrel brasileiro (isto anda tudo ligado) Juca Chaves e
que, indo directamente aos finalmentes, é mais ou menos assim:
Gafanhoto, aprendiz de Shaolin, era pequenininho e perguntou ao seu velho Mestre, que era cego e sabia tudo:
- Mestre, quando é que eu me tornarei um homem?
E o Mestre respondeu-lhe:
- Gafanhoto, quando um dia você passar a mão entre as pernas e sentir
duas bolas, então você será um homem. Mas quando um dia você passar a
mão entre as pernas e sentir quatro bolas, não pense que é super-homem. É
que tem alguém lhe enrabando.
P.S. - Este texto é tão velho como o mestre de kung fu, mas também novo
como o coronavírus. Já aqui batalhei pelos objectores de consciência. Eu não fui objector nem voluntário, a tropa
aconteceu-me, mas lembro-me de, anos depois da minha malograda passagem
pelos Comandos, ter ido a tribunal militar defender um camarada de
profissão que objectava. Defendi-o como defendo os ex-combatentes,
voluntários ou involuntários, gente marcada pela guerra e de quem o
Estado tem uma certa queda para se esquecer. E o esquecimento mata.
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