sexta-feira, 4 de dezembro de 2020

Já não se fazem codaques como antigamente

No tempo em que
No tempo em que não havia telemóveis, ligava-se da máquina fotográfica. O que é extraordinário! 

O cara de selfie
No metro, direcção Senhor de Matosinhos-Fânzeres. Entro na estação Matosinhos Sul e o rapaz também. A carruagem está a rebentar pelas costuras, arranjo lugar sentado porque sou velho e momentaneamente aleijadinho, o rapaz fica de pé, encostado à porta. O rapaz, mais perto dos vinte do que dos quinze, vai ao bolso e saca do telemóvel (deve ter outro nome o aparelho, mas para mim é um telemóvel e já digo muito). Saca do telemóvel, dizia, eleva-o na mão direita bem acima da cabeça, aponta-o para a dita e, como se estivesse sozinho a fazer caretas ao espelho da casa de banho, veste de repente um sorriso de plástico que por acaso até lhe fica bastante mal, olha para o telemóvel, dispara, suponho, e volta à cara normal, como se não fosse nada. Um lado está resolvido. Agora o outro: o rapaz continua com o telemóvel na mão direita bem acima da cabeça, que revira para a esquerda num lamentável trejeito artístico, e, como se estivesse sozinho a fazer caretas ao espelho da casa de banho, veste outra vez e de repente um sorriso de plástico que por acaso até lhe fica bastante mal, olha para o telemóvel, dispara, suponho, e volta à cara normal, como se nada fosse. Feito extraordinário, de que tomo nota: o sorriso do rapaz é o exactamente o mesmo das duas vezes, o mesmíssimo, decalcado, sem tirar nem pôr, o mesmo sorriso da cara para fora, oco, palermóide, nanométrica réplica mimética um do outro, o mais profundo sorriso de cara de cu à paisana - posso garantir eu, que sei muito de sorrisos.
Penso então ali, respeitosamente: há que dar valor ao rapaz - para se atingir semelhante grau de perfeição, isto é preciso muito treino, muito ano, muita selfie!..

O rapaz saiu no Parque de Real, duas paragens acima, viagem de três minutos. Serviço feito, ala para casa, que se faz tarde! Nem tive tempo de lhe dar os parabéns. 

Era um homem muito antigo
Era um homem muito antigo e vivia agarrado a coisas que já não se usam. Vejam lá que ainda tirava fotografias com máquina fotográfica!...

Era um homem muito antigo 2
Era um homem muito antigo e vivia agarrado a coisas que já não se usam. Vejam lá que, quando precisava de selfies, teimava em ir ao fotógrafo, que na verdade lhe fazia um preço bastante em conta: meia dúzia - 6,5 euros; uma dúzia - 10 euros; oferta de um postal em ambos o casos.

E o número da máquina fotográfica?
- Passei o dia inteiro a ligar-lhe para o telemóvel, mas dava sempre impedido...
- Quando for assim, ligue-me para a máquina fotográfica.

A primeira selfie
Quitério tinha dez anos quando fez a sua primeira selfie. Gostou. Depois correu à igreja e confessou-se.

P.S. - O empresário americano George Eastman, inventor do filme fotográfico em rolo, registou a câmara Kodak no dia 4 de Dezembro de 1888.

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