A Galiza |
é para mim |
um mito pessoal |
maternal e nutrício |
com longa teimosia elaborado |
de louco amor filial |
de degredado |
(E de facto é também |
- porquê não confessá-lo - |
um execrável vício |
sublimado) |
A Galiza |
foi sempre para mim |
um refúgio mental |
um jardim de lembranças |
sossegado |
um ninho de frouxel acolhedor |
para onde fugir |
do duro batalhar e do estridor |
da Vida |
e do acre ressaibo do Pecado |
Subterfúgio subtil |
e purificador |
de interior evasão |
para o descanso da alma |
na calma |
pastoril |
da perfeição de Arcádia |
da Terra Prometida |
da imaginação |
A Galiza |
é o meu amor constante |
tranquila e fiel esposa |
e impetuosa amante |
sempre |
como Penélope a tecer |
na espera |
ansiosa e plácida |
paciente e palpitante |
do retorno final |
do seu errante e navegante Ulisses |
- outra quimera! |
Amo-a |
como o náufrago desesperado |
ama a costa longínqua e ansiada |
que nunca há-de avistar |
Amo-a |
com saudade antevista de emigrado |
que à partida se sabe já |
fadado |
a ser ausente morrinhento |
de nunca mais voltar |
Porque ninguém jamais regressa do desterro |
à mesma terra que deixou |
O Espaço dissolve-se no Tempo: |
os lugares |
e as gentes que os habitam |
mudam e morrem sempre |
e nós também morremos |
e mudamos |
Posso eu acaso me reconhecer |
naquele rapaz loiro |
que chorando partiu |
um dia crepuscular e montanhoso |
de Quiroga |
no Sil |
há tantos anos |
e tantos desenganos? |
Amo-a Amei-a sempre |
porque nunca deixei |
de estar ligado a Ela |
pelo umbigo |
Porque Ela foi meu berço |
e onde quer que eu morrer |
Ela há-de ser |
o meu íntimo |
e último jazigo |
Amo-te enfim Galiza |
coitada, triste e bela Pátria minha |
como Tu és |
como o Senhor |
num mal dia te fez |
órfã de história e alienada de alma |
vespertina submissa e maliciosa |
rústica e pobrezinha |
Amo-te sobretudo |
como eu te quereria |
como eu em mim te crio |
dia após dia |
como um encantamento da minha infância |
e da minha fantasia |
Amo-te como eu |
tresnoitado poeta evangelista |
te invento e mitifico |
E, como com Jesus Cristo fez Mateus, |
visto com ilusórios véus |
a tua miseranda e cinzenta Paixão |
e intento |
com interna e intensa |
distante devoção |
pôr-te um ninho de Glória imaginária |
num apócrifo Novo Testamento. |
Ernesto Guerra da Cal
(Ernesto Guerra da Cal nasceu no dia 19 de Dezembro de 1911. Morreu em 1994.)
(Ernesto Guerra da Cal nasceu no dia 19 de Dezembro de 1911. Morreu em 1994.)
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