sábado, 26 de setembro de 2020

O tamanho importa (falemos de barcos e de cus)

Foto Hernâni Von Doellinger

Moro mesmo em frente ao mar, se for para a varanda e me puser de lado. É o que costumo dizer: na minha rua passa o mar. No meu quintal estacionam navios de passeio mediterranicamente atlânticos, paquetes carregados, descarregados e outra vez carregados de turistas rotundos e supersónicos que conseguem turistar o Norte de Portugal inteiro em menos de oito horas. Há quem chame ao meu quintal, por inveja, Terminal de Cruzeiros do Porto de Leixões. Mas não: é o meu quintal!
Noutro dia estacionou-me ali em baixo o Costa Pacifica, o da fotografia. São mais de 290 metros de navio para 3.780 passageiros. Os paquetes que me batem regularmente à porta têm-me dado que pensar, suscitam-me reflexões de pequena e média profundidade que aqui humildemente partilho com os meus queridos leitores. E daquela vez vieram-me à cabeça os cus. Os cus que os cruzeiros descarregam e recarregam.
Cu de turista não é brincadeira, já repararam? É traseiro de bitola larga e se for cu americano então ocupa o mundo inteiro, incluindo o México e o Brasil, menos a Alemanha e a Rússia. Até parece que para se ser turista - turista encartado - é preciso ter um cu daqueles. E o cu alemão e o próprio cu russo também para lá caminham, não querem ficar atrás. O que diz tudo a respeito dos cus.
Imagino que sejam muito ricos os camones com que me cruzo nas bordas do Porto de Leixões - eles a saírem todos cheios de good morning e eu, de passagem, "desculpem lá a shit de dog na sola da sandália, é good luck, com os cumprimentos de Matosinhos City
". Tão turistas e tão prendados de cu, têm de ser muito ricos. Engordam e viajam porque podem. Se calhar são todos reformados da administração do Millennium BCP ou do BES mas não querem que se saiba.
Os turistas. Chegam e parece-me sempre um congresso de cus com sala de espera no Passeio Atlântico, que se vê à rasca para aguentar semelhante pesadelo. Toneladas e toneladas de bagagem extra em traseiros colossais e gingões mesmo à frente do meu nariz e que até naufragam tuque-tuques. Confesso: é um espectáculo que não pára de maravilhar-me. Olho para os cus e olho para o barco, e só me apetece elogiar o génio humano, os avanços da ciência, os milagres da indústria, a arte e o engenho dos modernos fazedores de navios, supremos desafiadores das leis da física. Fascina-me aquilo que não consigo compreender. Para os cus e para o barco, olho. Olho para o barco e penso: como é que aquilo não vai ao fundo com tanto cu descomedido lá enfiado?


P.S. - Publicado originalmente no dia 4 de Novembro de 2012. Hoje, 27 de Setembro, é Dia Mundial do Turismo. Derivado à pandemia, Matosinhos está actualmente sem barcos, sem turistas e portanto sem cus. Sobram os alojamentos locais e os espanhóis, que são outra coisa.

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