terça-feira, 5 de maio de 2020

Agora temos duas padarias

Notícias do des-con-fi-na-men-to. Como já aqui contei, a nossa padaria fechou nos princípios de Março por causa do coronavírus. A nossa padaria era o sítio onde todos os dias comprávamos o pão que nos alimentava há mais de trinta anos, e era como se fôssemos da casa. Mas o pão é essencial e, que remédio, começámos a frequentar outra padaria, igualmente aqui à beira, que fez o favor de nos farturar a mesa nestes dias mais complicados. Que se segue. A nossa velha padaria reabriu ontem e estão todos de saúde, graças a Deus, fui lá saber com os próprios olhos e comprar com as próprias mãos. E máscara.
Mas e a nossa nova padaria? Que nos serviu tão satisfatoriamente em tempos de crise, bem sei que apenas durante menos de dois meses. Vamos agora voltar-lhe costas, muitíssimo obrigadíssimo, estava tudo muito bem mas já não precisamos, e façam favor de desculpar?
Não somos capazes de semelhante. Passámos a ter duas padarias. Desde ontem. A minha mulher e eu dividimo-nos nas visitas. Porque a memória é fundamental mas a gratidão também.

Outra boa nova: a minha peixaria reabriu hoje. E era o que me fazia mais falta. Mais até do que o pão. Agora toda a gente faz pão em casa, um pão que não presta para nada, mas é moda e dá na televisão. Até a namorado do meu filho faz pão e traz, e por acaso, excepção que confirma a regra, até é um pãozinho que nos tem sabido muito bem. Infelizmente ainda não há máquinas para inventar peixes em casa. Que eu saiba.

Melhor: fui esta manhã à minha farmácia, à hora da abertura, e já se pode entrar. Dois de cada vez, mascarados e de mãos previamente desinfectadas, e eu cheguei em segundo. Estava a contar com uma medalha mas as cerimónias protocolares foram suspensas derivado à pandemia. Entregaram-me o Losartan com todos os cuidados e na maior das confidencialidades, e isto que não saia daqui...

E tenho o mar. Não sei o que seria da minha quarentena, que já vai em quase dois anos e meio, se não tivesse o mar todos os dias. Seguramente estaria ainda mais avariado da cabeça e do resto. O mar, gosto de o ouvir, gosto de lhe sentir o silêncio, gosto de o ver, gosto de o cheirar, mesmo que cheire mal, gosto de o pensar, gosto de o adivinhar. Gosto do mar com sol, com chuva, com nevoeiro, com vento, sem vento, gosto do mar com todos como o bacalhau. Gosto do mar azul, às vezes verde e sobretudo azul e branco. Gosto do mar bravo, gosto do mar manso, gosto do marasmo. Gosto do mar salgado e ainda que fosse insosso. Gosto do mar. E tenho sorte, na minha rua passa o mar, atracam-me navios à porta. Tenho o mar se for à varanda, de caras. Escuto-o no quarto de dormir, e sossega-me a alma, ajuda-me ao sono cada vez mais difícil. Continuo a passear-lhe as bordas todas todas as manhãzinhas, cada vez mais cedo, cada vez mais cedo, só eu e o mar, porque preciso do resto do dia para tomar conta das horas e porque, como diz o Bininho Referta, o povo é muito burro, e cuida que esta merda já passou, e não passou nada.

Portanto: tenho duas padarias, tenho uma peixaria, tenho uma farmácia e tenho um mar. Isto é: tenho um pequeno império, e praticamente livre de impostos. Não digam que estou mal de vida...

2 comentários:

  1. Às 14h estava tudo controlado à sua porta. Passei, e até parei, em duas rodas e estava tudo no sítio. Ainda olhei para a varanda, sem marquise, mas nem a gaivota.

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    1. 6 de Maio, 13h09. Leio-te com quase 24 horas de atraso. Foi pena.

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