segunda-feira, 16 de setembro de 2019

Ovídio Martins 3

Não me aprisionem os gestos

Não me aprisionem os gestos 
a criança ainda não desertou

Ainda sonho cavalgadas de estrelas

e danças lúbricas de flores
em madrugadas azuis
e jardins suspensos de ouro
e crianças aladas a brincar
e gargalhadas de prata.

Não me aprisionem os gestos

que o mar não cabe num dedal
e meus gestos têm a sugestão do mar
o mistério das ondas do mar
a comunicabilidade do mar

Levem-me a Lógica

fiquem com a Política
roubem-me a Metafísica
tirem-me a roupa
e deixem-me morrer de fome

Porém não me aprisionem os gestos

que uma ave sem asas não é ave

E que diria o meu eu-adulto

ao meu eu-criança
- o único afinal -
que sabe viver em sonho e poesia?

Ah por favor

não me aprisionem os gestos
que a criança em mim não desertou ainda.

"Caminhada", Ovídio Martins

(Ovídio Martins nasceu no dia 17 de Setembro de 1928. Morreu em 1999.)

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