domingo, 30 de junho de 2019
Não me dêem ideias
Logo na quarta página, ao lado do índice instalado em desafogo na página cinco, um selo-aviso com ares terminantes e antigos de imprimatur e nihil obstat. Rezava: "Respeite o direito de autor. Não fotocopie livros". Nunca me tinha passado pela cabeça, mas ainda bem que me lembraram disso. Fotocopiei - e foi uma tarde bem passada. Era um valoroso livro com 895 páginas.
Poema a Salgueiro Maia, de Manuel Alegre
Ele ia de Santarém
a caminho de Lisboa
não sabia se ganhava
não sabia se perdia.
Ele ia de Santarém
para jogar a sua sorte
a caminho de Lisboa
em marcha de vida ou morte.
E dentro dele uma voz
E dentro dele uma voz
todo o tempo lhe dizia:
Levar a carta a Garcia.
Ele ia de Santarém
Ele ia de Santarém
todo de negro vestido
como um cavaleiro antigo
em cima do tanque verde
com o seu elmo e sua lança
ei-lo que avança e avança
ninguém o pode deter.
Ele ia de Santarém
Ele ia de Santarém
para vencer ou morrer.
E em toda a estrada o ruído
da marcha do Capitão.
Eram lagartas rangendo
e mil cavalos correndo
contra o tempo sem sentido.
E aquela voz que dizia:
Levar a carta a Garcia.
Era um cavaleiro andante
Era um cavaleiro andante
no peito do Capitão.
E o pulsar do coração
de quem já tomou partido.
Ele ia de Santarém
todo de negro vestido.
Manuel Alegre
Manuel Alegre
(Salgueiro Maia nasceu no dia 1 de Julho de 1944)
Fernando Guedes 3
O fruto
Nos caminhos da aldeia
germina a lama que o Inverno semeou.
Soltos, cabelos grossos cobrem corpos mortos.
Faminta, a criança trinca inutilmente
a murcha flor do cardo.
No lagar, homens sem vindima
esmagam grainhas ressequidas.
Pelos montes, uma recordação ténue
agita o feno levemente;
a mulher mais velha
guarda na memória a imagem de uma avó,
um coração ardendo na lareira.
Acendem-se as lâmpadas ao escurecer,
antes da primeira estrela.
Para lá de janelas abertas
desconhecidos encontram-se nos leitos.
Os carros de bois passam vazios no caminho,
sem ruído, na lama.
Paz sem espada.
Só na torre a torre,
uma rosa mantendo seu perfume.
Pela porta inviolada
escapam-se as palavras,
uma a uma,
formando o discurso,
o canto, o cântico da flor
possuída no princípio dos caminhos:
Firmei minhas raízes
sobre a tua cabeça
e elevei-me,
oliveira a florir no campo,
plátano junto ao rio.
Cedo ao discurso, ao canto,
para encaminhar teu ardor
para o meu perfume
forte, sedutor como a canela.
Sou a torre e a porta,
sou a rosa.
E coloca um sinal sobre o teu coração:
por ti nasceu a novilha
entre o tojo rapado.
Efigénia fugiu mas eu fiquei
- em breve terás vento,
apresta teus navios prà batalha.
No golpe mais forte de uma espada,
na lama que o teu ódio levantar,
na hora do saque, tu me encontrarás:
sou mais ágil do que o teu movimento
e todas as riquezas estão em minhas mãos.
Repousa na vitória deste encontro.
Trago comigo as tuas sete feridas:
vou levar-te para a tua tenda,
cobrir o teu sono com os meus cabelos.
Passados os três dias e as noites,
ao acordar, ver-me-ás no centro da luz,
sentada à tua porta.
Não procures a torre
nem a flâmula da rosa:
eu estou
como sempre fui,
e a minha formosura
te deslumbrará.
"Caule, Flor e Fruto", Fernando Guedes
(Fernando Guedes nasceu no dia 1 de Julho de 1929. Morreu em 2016.)
Nos caminhos da aldeia
germina a lama que o Inverno semeou.
Soltos, cabelos grossos cobrem corpos mortos.
Faminta, a criança trinca inutilmente
a murcha flor do cardo.
No lagar, homens sem vindima
esmagam grainhas ressequidas.
Pelos montes, uma recordação ténue
agita o feno levemente;
a mulher mais velha
guarda na memória a imagem de uma avó,
um coração ardendo na lareira.
Acendem-se as lâmpadas ao escurecer,
antes da primeira estrela.
Para lá de janelas abertas
desconhecidos encontram-se nos leitos.
Os carros de bois passam vazios no caminho,
sem ruído, na lama.
Paz sem espada.
Só na torre a torre,
uma rosa mantendo seu perfume.
Pela porta inviolada
escapam-se as palavras,
uma a uma,
formando o discurso,
o canto, o cântico da flor
possuída no princípio dos caminhos:
Firmei minhas raízes
sobre a tua cabeça
e elevei-me,
oliveira a florir no campo,
plátano junto ao rio.
Cedo ao discurso, ao canto,
para encaminhar teu ardor
para o meu perfume
forte, sedutor como a canela.
Sou a torre e a porta,
sou a rosa.
E coloca um sinal sobre o teu coração:
por ti nasceu a novilha
entre o tojo rapado.
Efigénia fugiu mas eu fiquei
- em breve terás vento,
apresta teus navios prà batalha.
No golpe mais forte de uma espada,
na lama que o teu ódio levantar,
na hora do saque, tu me encontrarás:
sou mais ágil do que o teu movimento
e todas as riquezas estão em minhas mãos.
Repousa na vitória deste encontro.
Trago comigo as tuas sete feridas:
vou levar-te para a tua tenda,
cobrir o teu sono com os meus cabelos.
Passados os três dias e as noites,
ao acordar, ver-me-ás no centro da luz,
sentada à tua porta.
Não procures a torre
nem a flâmula da rosa:
eu estou
como sempre fui,
e a minha formosura
te deslumbrará.
"Caule, Flor e Fruto", Fernando Guedes
(Fernando Guedes nasceu no dia 1 de Julho de 1929. Morreu em 2016.)
Lições de História 36: Guerras Médicas
As Guerras Médicas têm uma fama que vem de longe, como o Constantino.
Começaram no século quinto antes de Cristo, entre gregos e persas, e
decorrem actualmente em Portugal in tandem com a Guerra dos Enfermeiros.
sábado, 29 de junho de 2019
Microcontos & outras miudezas 151
Lições de História: os Sãos Joões
O azar do nosso São João, o Baptista, é não ter sido o outro, o Evangelista. O nosso São João era um bocado esquisito mas muito homem: profeta ambulante, vestia-se de peles de camelo, usava um cinto de couro, comia gafanhotos e mel e convivia muito bem com cabritinhos e cabritinhas. Clamava no deserto. Um deserto que inopinadamente tinha um rio chamado Jordão como o cinema de Guimarães, e foi ali mesmo, no rio que não no cinema, que João, o nosso, inventou o baptismo e baptizou o primo Jesus. O nosso São João era a Ana Gomes daquele tempo. Punha a boca no trombone sem pauta nem contenção e isso haveria de custar-lhe a cabeça, ainda nem chegara aos trinta anos. Os amigos do Baptista tinham uma certa vergonha dele e muito gosto na própria cabeça, e por isso deram-lhe o nome de código de O Precursor, para que não se soubesse de quem falavam quando falavam. Hoje em dia, o analfabetismo instalado chama-lhe O Percursor.
O São João que não é nosso, o Evangelista, era mais manso e teve uma vida flauteada. Morreu velho e de morte natural. Filho de Zebedeu, irmão de Tiago Maior e eventualmente sócio de André e Pedro no negócio das pescas, seria o mais novo dos doze apóstolos do Nazareno, segundo consta. De pescador quiçá analfabeto, fez-se teólogo e escritor. De evangelho e epístolas, apocalíptico então. Discípulo dilecto, João, o que não é nosso, era aquele a quem Jesus amava, o que se lhe aninhou no peito durante a Última Ceia, está nos retratos. O assunto continua a prestar-se, ainda hoje, às mais diversas e variadas.
Os santos populares
Fez-se um concurso. Um concurso do vestido de chita para santos. Ganhou São Sebastião. Mas, na votação do público, os mais populares foram Santo António, São João e São Pedro. E aí começou a tradição.
Os santos populares 2
Santo António, São João e São Pedro são populares porque são nossos, portugueses, gente da nossa terra. Santo António de Lisboa, São João do Porto e São Pedro da Afurada.
Bruma no Porto
E, de um modo geral, em toda a faixa costeira das regiões Norte e Centro, com possibilidade de ocorrência de períodos de chuva fraca ou chuvisco no litoral a sul do Cabo Mondego. O Instituto Português do Mar e da Atmosfera prevê para amanhã, domingo, uma pequena subida da temperatura máxima.
P.S. - Fiz esta brincadeira no dia 13 de Julho de 2013. Seis anos depois, até parecia...
Não, o planeta é que já está a destruir o clima
O Expresso, num interessante artigo a seis mãos, propõe-se explicar "Como o clima já está a destruir o planeta". Mas não. O planeta é que já está a destruir o clima. Que Donald Trump o ignore, percebo; que o Expresso não chegue lá, intriga-me.
O azar do nosso São João, o Baptista, é não ter sido o outro, o Evangelista. O nosso São João era um bocado esquisito mas muito homem: profeta ambulante, vestia-se de peles de camelo, usava um cinto de couro, comia gafanhotos e mel e convivia muito bem com cabritinhos e cabritinhas. Clamava no deserto. Um deserto que inopinadamente tinha um rio chamado Jordão como o cinema de Guimarães, e foi ali mesmo, no rio que não no cinema, que João, o nosso, inventou o baptismo e baptizou o primo Jesus. O nosso São João era a Ana Gomes daquele tempo. Punha a boca no trombone sem pauta nem contenção e isso haveria de custar-lhe a cabeça, ainda nem chegara aos trinta anos. Os amigos do Baptista tinham uma certa vergonha dele e muito gosto na própria cabeça, e por isso deram-lhe o nome de código de O Precursor, para que não se soubesse de quem falavam quando falavam. Hoje em dia, o analfabetismo instalado chama-lhe O Percursor.
O São João que não é nosso, o Evangelista, era mais manso e teve uma vida flauteada. Morreu velho e de morte natural. Filho de Zebedeu, irmão de Tiago Maior e eventualmente sócio de André e Pedro no negócio das pescas, seria o mais novo dos doze apóstolos do Nazareno, segundo consta. De pescador quiçá analfabeto, fez-se teólogo e escritor. De evangelho e epístolas, apocalíptico então. Discípulo dilecto, João, o que não é nosso, era aquele a quem Jesus amava, o que se lhe aninhou no peito durante a Última Ceia, está nos retratos. O assunto continua a prestar-se, ainda hoje, às mais diversas e variadas.
Os santos populares
Fez-se um concurso. Um concurso do vestido de chita para santos. Ganhou São Sebastião. Mas, na votação do público, os mais populares foram Santo António, São João e São Pedro. E aí começou a tradição.
Os santos populares 2
Santo António, São João e São Pedro são populares porque são nossos, portugueses, gente da nossa terra. Santo António de Lisboa, São João do Porto e São Pedro da Afurada.
Bruma no Porto
E, de um modo geral, em toda a faixa costeira das regiões Norte e Centro, com possibilidade de ocorrência de períodos de chuva fraca ou chuvisco no litoral a sul do Cabo Mondego. O Instituto Português do Mar e da Atmosfera prevê para amanhã, domingo, uma pequena subida da temperatura máxima.
P.S. - Fiz esta brincadeira no dia 13 de Julho de 2013. Seis anos depois, até parecia...
Não, o planeta é que já está a destruir o clima
O Expresso, num interessante artigo a seis mãos, propõe-se explicar "Como o clima já está a destruir o planeta". Mas não. O planeta é que já está a destruir o clima. Que Donald Trump o ignore, percebo; que o Expresso não chegue lá, intriga-me.
Joaquim Namorado 3
Fábula
No tempo em que os animais falavam.
Liberdade!
Igualdade!
Fraternidade!
Joaquim Namorado
(Joaquim Namorado nasceu no dia 30 de Junho de 1914. Morreu em 1986.)
No tempo em que os animais falavam.
Liberdade!
Igualdade!
Fraternidade!
Joaquim Namorado
(Joaquim Namorado nasceu no dia 30 de Junho de 1914. Morreu em 1986.)
Flores ao solheiro
Um restinho de sol e lá se sentavam elas comparando doenças e façanhas de netos havidos ou inventados. Rosa, Violeta, Hortênsia, Margarida, Dália, Açucena - evidentemente no jardim, ao entardecer da vida...
sexta-feira, 28 de junho de 2019
Oldemar Justus 3
Na mesa do bar,
(Oldemar Justus nasceu no dia 29 de Junho de 1922. Morreu em 2006.)
o homem e o copo,
um bebendo o outro.
um bebendo o outro.
"Ecos & Silêncios", Oldemar Justus
(Oldemar Justus nasceu no dia 29 de Junho de 1922. Morreu em 2006.)
Leo Lynce 3
No banquete
Do alto dos seus bordados, o general falou:
- Meio século, senhores, a serviço da Pátria.
Falaram depois o doutor e o magnata.
Outros mais falaram no banquete da vida nacional.
Só o roceiro miúdo não falou nada.
Porque não sabia nada,
Porque estava ausente,
perrengado,
indiferente,
curvado sobre o cabo da enxada,
com o Brasil às costas.
"Poesia Quase Completa", Leo Lynce
(Leo Lynce nasceu no dia 29 de Junho de 1884. Morreu em 1954.)
Do alto dos seus bordados, o general falou:
- Meio século, senhores, a serviço da Pátria.
Falaram depois o doutor e o magnata.
Outros mais falaram no banquete da vida nacional.
Só o roceiro miúdo não falou nada.
Porque não sabia nada,
Porque estava ausente,
perrengado,
indiferente,
curvado sobre o cabo da enxada,
com o Brasil às costas.
"Poesia Quase Completa", Leo Lynce
(Leo Lynce nasceu no dia 29 de Junho de 1884. Morreu em 1954.)
Hélia Correia
Nós, os ateus, nós, os monoteístas,
Nós, os que reduzimos a beleza
A pequenas tarefas, nós, os pobres
Adornados, os pobres confortáveis,
Os que a si mesmos se vigarizavam
Olhando para cima, para as torres,
Supondo que as podiam habitar,
Glória das águias que nem águias tem,
Sofremos, sim, de idêntica indigência,
Da ruína da Grécia.
"A Terceira Miséria", Hélia Correia
(Hélia Correia foi hoje anunciada como vencedora do Grande Prémio de Romance e Novela da Associação Portuguesa de Escritores, pela obra "Um Bailarino na Batalha")
Nós, os que reduzimos a beleza
A pequenas tarefas, nós, os pobres
Adornados, os pobres confortáveis,
Os que a si mesmos se vigarizavam
Olhando para cima, para as torres,
Supondo que as podiam habitar,
Glória das águias que nem águias tem,
Sofremos, sim, de idêntica indigência,
Da ruína da Grécia.
"A Terceira Miséria", Hélia Correia
(Hélia Correia foi hoje anunciada como vencedora do Grande Prémio de Romance e Novela da Associação Portuguesa de Escritores, pela obra "Um Bailarino na Batalha")
Ciganos
Antes e depois, que tal? 6
quinta-feira, 27 de junho de 2019
A invenção da sogra
Consta que os muçulmanos introduziram a nora em Portugal. Gostaria de saber: e quem terão sido os filhosdeputa que nos introduziram a sogra?
Raul Seixas 3
Eu preciso de ajuda
Para todos os insonemaníacos da Terra
Eu quero construir um tipo novo de máquina
Para voar de noite saindo do corpo
Ela ganhará prêmios de paz, eu sei disso
Mas eu mesmo não posso fazê-la
Estou exausto, eu preciso de ajuda
Admito meu desespero, eu sei
Que as pernas em minha pernas estão tremendo
E o esqueleto quer sair do meu corpo
Porque a noite de pedra já está concreta
Eu quero alguém para içar uma imensa roldana
E içá-la de volta sobre a montanha
Eu preciso de ajuda
Porque eu não posso fazer isso sozinho
Está tão escuro aqui fora
Que estou cambaleando
Rua abaixo como bêbado
Se bêbado não sou, talvez aleijado
Eu preciso de ajuda.
Raul Seixas
(Raul Seixas nasceu no dia 28 de Junho de 1945. Morreu em 1989.)
Para todos os insonemaníacos da Terra
Eu quero construir um tipo novo de máquina
Para voar de noite saindo do corpo
Ela ganhará prêmios de paz, eu sei disso
Mas eu mesmo não posso fazê-la
Estou exausto, eu preciso de ajuda
Admito meu desespero, eu sei
Que as pernas em minha pernas estão tremendo
E o esqueleto quer sair do meu corpo
Porque a noite de pedra já está concreta
Eu quero alguém para içar uma imensa roldana
E içá-la de volta sobre a montanha
Eu preciso de ajuda
Porque eu não posso fazer isso sozinho
Está tão escuro aqui fora
Que estou cambaleando
Rua abaixo como bêbado
Se bêbado não sou, talvez aleijado
Eu preciso de ajuda.
Raul Seixas
(Raul Seixas nasceu no dia 28 de Junho de 1945. Morreu em 1989.)
Carvalho Calero 7
Esquecida vivia
Esquecida vivia
do meu corpo. Umha pobre mulher
cumha filla de vinte e cinco anos,
que tem à sua vez
umha filha de três, e vive longe.
Umha muller já bem
madura, porque tem
umha filha de vinte e cinco anos.
Umha mulher abandonada
polo marido, sem recursos,
sem estudos, que tivo que empregar-se
numha oficina para um trabalho
rotineiro, há muitos anos, já.
E assi vive, entre companheiros
indiferentes, apressados, descontentes;
descontente, apressada, indiferente.
Vestida sem cuidado,
penteada sem esmero.
Sem horizonte, só, sem ilusom.
E apareceste ti,
um parente remoto
e que necessitava um documento
que se expedia na minha oficina,
e eu lhe facilitei.
Um parente remoto
a quem nom vira nunca, e que vivia
numha grande cidade de além-mar.
E, surprendentemente,
achaste-me formosa.
Dixeste-mo,
e no teu rosto lim que eras sincero.
E foi um terramoto para mim.
No meu apartamento, pola noite,
dispo-me
perante o espelho, e acho
que tés razom, que o meu corpo é formoso
ainda, e gostaria
de que o visses assi, sem véu algum.
E, nua, entro no leito
pensando em ti, para sonhar contigo,
e renace entre a escuma dos lençóis
umha esquecida voluptuosidade,
e fecho os olhos, porque em sonhos ponho
neles os lábios teus.
Manhá convidarei-te a visitar-me;
a tomar umha copa,
ao sair do trabalho,
no meu apartamento.
Tomaremos a copa, e cando eu veja
que a hora soou
nos teus olhos, nos teus
beiços, nas tuas mans,
farei o mesmo que hoje fago,
decidida, tranquila,
sem temor, sem rubor.
Despirei-me, mas nom
ante o espelho: ante ti.
Nua, sulagarei-me
no leito: mas contigo.
"Cantigas de Amigo e Outros Poemas", Carvalho Calero
(O Día das Letras Galegas de 2020 será dedicado a Carvalho Calero)
Esquecida vivia
do meu corpo. Umha pobre mulher
cumha filla de vinte e cinco anos,
que tem à sua vez
umha filha de três, e vive longe.
Umha muller já bem
madura, porque tem
umha filha de vinte e cinco anos.
Umha mulher abandonada
polo marido, sem recursos,
sem estudos, que tivo que empregar-se
numha oficina para um trabalho
rotineiro, há muitos anos, já.
E assi vive, entre companheiros
indiferentes, apressados, descontentes;
descontente, apressada, indiferente.
Vestida sem cuidado,
penteada sem esmero.
Sem horizonte, só, sem ilusom.
E apareceste ti,
um parente remoto
e que necessitava um documento
que se expedia na minha oficina,
e eu lhe facilitei.
Um parente remoto
a quem nom vira nunca, e que vivia
numha grande cidade de além-mar.
E, surprendentemente,
achaste-me formosa.
Dixeste-mo,
e no teu rosto lim que eras sincero.
E foi um terramoto para mim.
No meu apartamento, pola noite,
dispo-me
perante o espelho, e acho
que tés razom, que o meu corpo é formoso
ainda, e gostaria
de que o visses assi, sem véu algum.
E, nua, entro no leito
pensando em ti, para sonhar contigo,
e renace entre a escuma dos lençóis
umha esquecida voluptuosidade,
e fecho os olhos, porque em sonhos ponho
neles os lábios teus.
Manhá convidarei-te a visitar-me;
a tomar umha copa,
ao sair do trabalho,
no meu apartamento.
Tomaremos a copa, e cando eu veja
que a hora soou
nos teus olhos, nos teus
beiços, nas tuas mans,
farei o mesmo que hoje fago,
decidida, tranquila,
sem temor, sem rubor.
Despirei-me, mas nom
ante o espelho: ante ti.
Nua, sulagarei-me
no leito: mas contigo.
"Cantigas de Amigo e Outros Poemas", Carvalho Calero
(O Día das Letras Galegas de 2020 será dedicado a Carvalho Calero)
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série Escritores
quarta-feira, 26 de junho de 2019
Se ameaçar sol, não se esqueça da árvore
Era uma localidade um bocadinho estranha, porém exuberantemente moderna e cosmopolita. Nas suas principais entradas, a
autarquia colocara frondosas tabuletas que avisavam os forasteiros: "Se
quiser sombra, traga a sua própria árvore".
Guimarães Rosa 8
Estou só
Eu estou só.
O gato está só.
As árvores estão sós.
Mas não o só da solidão: o só da solistência.
Guimarães Rosa
(Guimarães Rosa nasceu no dia 27 de Junho de 1908. Morreu em 1967.)
Eu estou só.
O gato está só.
As árvores estão sós.
Mas não o só da solidão: o só da solistência.
Guimarães Rosa
(Guimarães Rosa nasceu no dia 27 de Junho de 1908. Morreu em 1967.)
Rui Caeiro 2
Estendo o braço, abro a mão: para ver se
está a chover, qual a temperatura do ar,
essas coisas.
Quando estou nestes preparos dois
malucos vêm pousar-me na mão. Diz um deles:
já somos três.
"Diálogos Marados/Um Maluco Vem Pousar-me na Mão", Rui Caeiro
(Rui Caeiro nasceu no dia 27 de Junho de 1943. Morreu em 2019.)
está a chover, qual a temperatura do ar,
essas coisas.
Quando estou nestes preparos dois
malucos vêm pousar-me na mão. Diz um deles:
já somos três.
"Diálogos Marados/Um Maluco Vem Pousar-me na Mão", Rui Caeiro
(Rui Caeiro nasceu no dia 27 de Junho de 1943. Morreu em 2019.)
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Festas do Mártir S. Sebastião 2019
Foto Hernâni Von Doellinger |
Grandiosas Festas do Mártir S. Sebastião, ou Festa dos Pescadores de Matosinhos, este ano no fim-de-semana de 19 a 21 de Julho, nas redondezas da Lota do Pescado do Porto de Leixões, como manda a tradição. Mais informação e programa, aqui.
terça-feira, 25 de junho de 2019
Período homólogo
- Boa tarde...
- E o que vai ser?...
- Queria meio ano.
- Novo ou usado?
- Novo, se faz favor.
- Da parte do segundo semestre, portanto...
- Se houver...
- E o que vai ser?...
- Queria meio ano.
- Novo ou usado?
- Novo, se faz favor.
- Da parte do segundo semestre, portanto...
- Se houver...
Microcontos & outras miudezas 150
Questão capilar
- Ai que bem que lhe fica esse cabelinho preto! É seu?...
Questão capilar 2
- Ai que bem que lhe fica esse cabelinho preto! É novo?...
Ou era o SIRESP ou um defesa esquerdo
O Governo comprou o SIRESP por sete milhões de euros. PCP e CDS, e o PSD a reboque, chamaram ao Parlamento os ministros da Administração Interna, Eduardo Cabrita, e da Economia, Pedro Siza Vieira, para que os alegados governantes lhes expliquem a matreira engenharia do negócio. A grande preocupação deles - do PCP e do CDS e, que remédio, do PSD - é que, hoje em dia, sete milhões não chegam sequer para contratar um defesa esquerdo que não tropece no pé direito. Então como é que foi possível a jigajoga do SIRESP por dez réis de mel coado?...
Lições de História: Hermógenes
Fonte oficial
Era uma fonte de papel passado. Com alvará municipal e licença da Direcção-Geral da Saúde.
Ribeiro e Castro, o homem da cola preta
"Uma Aliança Democrática não se faz com cola branca", diz o Expresso que disse José Ribeiro e Castro, ontem, na TSF. Olha a novidade! Toda a gente sabe que uma Aliança Democrática só se faz com cola preta. Ou, vá lá, negra...
- Ai que bem que lhe fica esse cabelinho preto! É seu?...
Questão capilar 2
- Ai que bem que lhe fica esse cabelinho preto! É novo?...
Ou era o SIRESP ou um defesa esquerdo
O Governo comprou o SIRESP por sete milhões de euros. PCP e CDS, e o PSD a reboque, chamaram ao Parlamento os ministros da Administração Interna, Eduardo Cabrita, e da Economia, Pedro Siza Vieira, para que os alegados governantes lhes expliquem a matreira engenharia do negócio. A grande preocupação deles - do PCP e do CDS e, que remédio, do PSD - é que, hoje em dia, sete milhões não chegam sequer para contratar um defesa esquerdo que não tropece no pé direito. Então como é que foi possível a jigajoga do SIRESP por dez réis de mel coado?...
Lições de História: Hermógenes
Hermógenes era um filósofo grego que viveu nos séculos V e IV antes de
Cristo. Filho de Hipónico e de Cálias III, pertencentes à abastada
família Cálias da qual viria a sair a soprano Maria, frequentou Platão e
são-lhe atribuídas tiradas tão extraordinárias como, por exemplo: "Quem
fica deitado pode não cair, mas não aprende a andar" ou "O viajante
nunca está só. Anda com ele o desejo de chegar". A crítica da época não
lhe reconhecia grande génio.
Se calhar por isso, anos mais tarde, isto é por volta de 1970,
Hermógenes dedicou-se ao futebol. Foi um honesto defesa direito
sobretudo ao serviço do seu Rio Ave, onde jogou mais de dez épocas, e
ainda teve tempo de passar pelo Fafe, em 1982-1983, antes de
terminar a carreira novamente em casa, Vila do Conde, por volta de 1986. Fonte oficial
Era uma fonte de papel passado. Com alvará municipal e licença da Direcção-Geral da Saúde.
Ribeiro e Castro, o homem da cola preta
"Uma Aliança Democrática não se faz com cola branca", diz o Expresso que disse José Ribeiro e Castro, ontem, na TSF. Olha a novidade! Toda a gente sabe que uma Aliança Democrática só se faz com cola preta. Ou, vá lá, negra...
Proposta indecente
O Google AdSense sugeriu-lhe: "Rentabilize a sua paixão." Ele perguntou à namorada, mas ela levou a mal.
segunda-feira, 24 de junho de 2019
Os santos populares 2
Santo António, São João e São Pedro são populares porque são nossos, portugueses, gente da nossa terra. Santo António de Lisboa, São João do Porto e São Pedro da Afurada.
Ruy Barata 6
Homenagem a Leon Boy
Saberás quem somos
pela ausência da voz,
pelo rio envelhecido
e na fadiga das frases dissipadas.
Diante de ti a nudez falará por nós
pois as dádivas e sonhos dispersamos
e as mãos vazias dissiparam o tempo.
A fêmea e a cidade conquistamos,
mas do Invisível
a rosa que colhermos será sempre
viçosa e fresca sobre a nossa tumba.
Somos da terra o sal
mas nem sabemos
e deitados na Parábola morreremos
na primavera das palavras novas,
no segredo que faz nossa alegria.
Estrangeiros na pátria que elegemos
vazios do santo amor,
pobres da Graça,
a saudade da hora não cumprida,
a tristeza do rei que inveja o escravo.
pela ausência da voz,
pelo rio envelhecido
e na fadiga das frases dissipadas.
Diante de ti a nudez falará por nós
pois as dádivas e sonhos dispersamos
e as mãos vazias dissiparam o tempo.
A fêmea e a cidade conquistamos,
mas do Invisível
a rosa que colhermos será sempre
viçosa e fresca sobre a nossa tumba.
Somos da terra o sal
mas nem sabemos
e deitados na Parábola morreremos
na primavera das palavras novas,
no segredo que faz nossa alegria.
Estrangeiros na pátria que elegemos
vazios do santo amor,
pobres da Graça,
a saudade da hora não cumprida,
a tristeza do rei que inveja o escravo.
"A Linha Imaginária", Ruy Barata
(Ruy Barata nasceu no dia 25 de Junho de 1920. Morreu em 1990.)
(Ruy Barata nasceu no dia 25 de Junho de 1920. Morreu em 1990.)
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