Dagoberto olhava por olhar, indiferente a essa tragédia viva.
A seca representava a valorização da safra. Os senhores de engenho, de uma avidez vã, refaziam-se da depreciação dos tempos normais à custa da desgraça periódica.
O feitor alvitrava a admissão dos retirantes:
- Paga-se pouco mais ou nada ...
Mas Dagoberto escarmentava a convergência molesta. Desafogava a fazenda da superpopulação imprestável, consignada à caridade pública.
À vista do bueiro fumegante que sujava o céu estivo, a matula espetral detinha-se esperançosa. E ficava a espiar a casa do engenho como uma grande essa armada no negrume do teto velho.
Alguns faziam menção de subir. Mas logo desandavam, aos tombos, na mobilidade incerta.
De quando em quando, um magote vingava o socalco. Chegavam mastigando em seco, para enganar a fome, nas mais grotescas atitudes da miséria.
Dobravam-se os joelhos, não como pedinchões. Genufletiam moídos de fadiga.
Não se carpiam, como se estivessem realizando um destino irremediável. Nem, sequer, lavavam com lágrimas as caras poentas.
Escorraçados, retrocediam, arquejantes, sem uma queixa.
E, desengonçando-se, de déu em déu, numa marcha esquecida, o rebotalho errante ia atulhar as feiras, malignar as cidades.
"A Bagaceira", José Américo de Almeida
(José Américo de Almeida nasceu no dia 10 de Janeiro de 1887. Morreu em 1980.)
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