Amleto enterneceu-se, tremeu-lhe o queixo, andou para a mãe, tocou-lhe as mãos, quase a abraçou. Ah, senhora minha mãezinha, se pudesse abraçar-te e envolver-te em meus braços, era o que fazia agora! Ah, mãezinha, bem sabes quanto me dói também esta situação, pensas que não tenho sentimentos, que não choro à noite em pensar na minha mãezinha lá sozinha e eu sem poder nem sair à rua com ela! Se não fossem essas malditas negras tagarelas que aqui podem entrar a qualquer momento, ou algum dos meninos, que hoje é domingo e de nada se ocupam, se não fosse isso, cobrir-te-ia agora de beijos e afagos, bem sabes que o faria, adorada mãezinha! Mas não sabes, diz-me, diz-me, por caridade diz-me, não sabes que isto, esta horrível situação, é para o nosso próprio bem? Sabes nada, sempre parece que não sabes! Mas entendes, não entendes, mãezinha adorada? É para o nosso próprio bem, não sabes?
Sim, ela sabia e sabia também dos seus dele sofrimentos, pois lhe conhecia de sobra os bons sentimentos e não lhe ocorria um sequer defeito. Mas não poderia, talvez, assistir ao batizado, mesmo discretamente, à distância, sem se meter nas conversas, sem sair de seu lugar, apresentada talvez como uma ama-de-leite da infância dele, uma criada mais chegada, uma ama-seca ou governanta?
"Viva o Povo Brasileiro", João Ubaldo Ribeiro
(João Ubaldo Ribeiro nasceu no dia 23 de Janeiro 1941. Morreu em 2014.)
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