quarta-feira, 7 de junho de 2017

Edmir Domingues

Poema para velhos

onde se fala da emoção imperdoável - e vergonhosa
- das lembranças do país chamado Infância.

Nas comarcas de Infância havia vida.
O que fiz dessa vida? Que sei eu?
Onde estão os anseios desse tempo?
Pois havia, no então, as borboletas
de asas azuis, que agora já não vejo,
as quais eu perseguia, sob as sombras
das bananeiras e dos laranjais.
Que fazer, neste instante, para vê-las
em viagem de volta aos tempos idos?

É muito tarde, Amor, é muito tarde.

Cantava o sabia sobre as palmeiras
que os ventos marinheiros balançavam
como as brisas beijavam as bandeiras.
Como tornar atrás, sem instrumentos,
sem mapas nem roteiros, destruídos
no fragor dos combates os sextantes?

É muito tarde, Amor, é muito tarde.

Os perfumes de Infância, nos cabelos
da bem-amada, onde estarão nesta hora?
As pipas coloridas, os campinhos
de várzea, num país de juventude?
Tudo isso acabou. Toda a pureza
morreu, estraçalhada pelas máquinas.
As crianças de agora se realizam
na frieza dos seus computadores,
curtindo os seus heróis da violência,
com sangue, sangue. E cada vez mais sangue.

Não pisaram, jamais, terras de Infância.

já não creem no Lobo, na Avozinha
do Chapeuzinho, a Casa da Floresta
construída de puro chocolate.

Papai Noel existe, com certeza,
para aqueles que sempre creram nele.

A Pequena Sereia, Os Três Porquinhos,
sandálias de cristal da Cinderela,
e João, Maria, os Ovos de Ouro, tudo,
mesmo o Patinho Feio que era um cisne,
já não são coisas da imaginação.
São tevês, são cinema, sem o apelo
das histórias de Infância.

(Capineiro
do meu pai, por que me cortas o cabelo?
Minha mãe me penteou, minha madrasta me enterrou,
pelo figo da figueira que o pássaro picou... )

É muito tarde, Amor, é muito tarde.

Como as outras histórias sob a Lua
e sob os copiares, Lobisomens
e Mulas sem Cabeça, e Curupiras
com seus pés para trás, como antevendo
o para trás que cresce em tudo, agora.
E Anhangá, e a Alamoa, e o Negrinho
do Pastoreio entregue ao formigueiro.
Tudo morreu, nas garras do progresso,
que é um bem, que é um mal inevitável.

A leitura está morta. Os livros todos
deverão ser lançados às fogueiras.
- Menos os bestasséleres que vendem
como vende o pão-quente em padaria.

Resta agora a pergunta: como então
apertar mãos de Acab e de Simbad,
encontrar Aladim, seu servo, o Gênio,
escutar Sherazade, noite a noite?

Tudo acabou, e os sons da vida nova
são pios de corujas, retalhando
as mortalhas do tempo, do meu tempo.
Habita agora o corvo no meu quarto.
Nunca mais voltarei a Infância, a antiga
pátria dos sonhos bons, das esperanças.

É muito tarde, Amor, é muito tarde.

Edmir Domingues

(Edmir Domingues nasceu no dia 8 de Junho de 1927. Morreu em 2001.)

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