Minha senhora,
Cumpro, com um prazer que nunca se cansa de servi-la e obedecer-lhe, as suas ordens tão amavelmente imperativas. Saber mandar sempre foi um dos mais soberanos dons da espécie mortal.
Justamente eu creio que a decadência dos povos corresponde aos eclipses periódicos desse dom magnético, dispensado pela avara Providência aos seus eleitos. Sempre a esquiva glória acompanhou, submissa, os que sabem mandar. Por isso eu me submeto contente ao dom divino, quer ele flameje na fronte inspirada de um pensador, quer alumie a inspiração vidente do artista, quer cintile como uma fosforescência de alma no espírito de uma mulher, que sabe mandar sorrindo. Um dos encantos perturbadores do conto filosófico de Weber, escrito na maneira sibilina da Peau de Chagrin, de Balzac, é a homenagem que nele se presta à mulher, à sua sensibilidade divinatória, como a mais capaz de venerar a Verdade, sem se escandalizar com a sua nudez.
Sobre a mulher, desde que a humanidade descobriu a utilidade da Hipocrisia e lhe levantou altares, têm pesado os mais cruéis tributos cobrados para o sustento e o esplendor do culto nefando. Os preconceitos sociais, que são a liturgia dessa religião, converteram a mulher em vítima expiatória do rito monstruoso. A sacrificada, sentindo na sua beleza, na carne saturada de ternura e condenada ao doce suplício do amor, a ausência das energias reagentes, amaldiçoou sempre, nas intimidades mais secretas da natureza, essa divindade dos homens: a Hipocrisia que governa o mundo.
"A Verdade Nua", Carlos Malheiro Dias
(Carlos Malheiro Dias nasceu no dia 13 de Agosto de 1875. Morreu em 1941.)
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