São os árbitros, são os jogadores, são os treinadores. Não passam sem a chupadelazinha no dedo, que - perdoem-me que lhes diga - vale tanto no Céu como a entrada em campo com o pé direito. Deus está realmente à coca, mas vê pouco futebol e também é Pai do pé esquerdo.
E não é só no futebol. Nas nossas igrejas, com cada vez menos fregueses, esta entorse litúrgica vem passando de geração em geração e os fiéis de hoje até acreditam que foi sempre assim, que é assim. Mas não é: o beijo em mão própria está a mais, não faz parte do sinal-da-cruz.
Eu acho que sei como é que isto tudo começou. No tempo em que a missa era em latim e o povo, que já se via à rasca para perceber o português, aproveitava para ir rezando terços atrás de terços enquanto o padre, de costas voltadas para o mundo, se ocupava naqueles Dominus vobiscum que eram lá um assunto entre ele e o pobre do sacristão, que ajudava o melhor que sabia sem saber muito bem a quê.
Parece que ainda ouço. (As igrejas ecoam, sabiam?) O terço era sonoramente ciciado por mulheres enfiadas em bigodes e lenços pretos, bzzz, bzzz, bzzz, num cochicho ao despique remetido directamente a Nosso Senhor, embora devesse levar Nossa Senhora no endereço. O comendador Santos da Cunha, que era governador civil de Braga e ia a Fafe aos casamentos e funerais dos ricos do regime, também fazia bzzz, bzzz, bzzz, mas com voz de trombone, de terço na mão ostensiva, durante a missa inteira, e já ela era praticamente toda em português. E se o senhor comendador fazia e fazia que se soubesse é porque era a Bem da Nação - naquele tempo não havia dúvidas a esse respeito.
Ora bem. No fim da reza, e independentemente do que o padre estivesse a fazer lá à frente e do ponto em que a missa fosse, as pessoas benziam-se e beijavam respeitosamente o crucifixo do terço, que levavam aos lábios entre o dedo polegar e o indicador. Beijavam a cruz, não a mão, fiz-me explicar? Mas estão a ver a confusão que dali saiu? E por falar em Braga: narcisismos, só se meterem bacalhau, está bem?
Sem comentários:
Enviar um comentário