terça-feira, 14 de setembro de 2021

Fernando Nobre, o peneirento

Há que tempos que não me vinha à cabeça a palavra peneirento. Veio-me ontem, com acento na penúltima sílaba e tudo - "peneirénto" -, como se diz na minha terra. E devo o momento de tocante nostalgia ao Dr. Fernando Nobre e à sua mais que esperada renúncia ao cargo de deputado. Muito obrigado, senhor doutor.
Arrumado contra-vontade no baú das expressões populares, o adjectivo peneirento tem vindo a ser substituído por sinónimos tão modernos como vaidoso, presumido, pretensioso, presunçoso ou pedante. Também estão bem para o caso em apreço, mas não são a mesma coisa.
Fernando Nobre, o antipolítico que apoiou Durão Barroso na ressaca pós-guterrista e depois se arrependeu, que apoiou Mário Soares, que apoiou o Bloco de Esquerda, que apoiou António Capucho (PSD) à Câmara de Cascais, que se apoiou a si próprio à Presidência da República, contra todos os partidos, e que logo a seguir teve uma recaída social-democrata para ser "candidato" à presidência da Assembleia da República, não vai deixar saudades, mas mete pena.
Este percurso aos ziguezagues, que acabou da pior forma com o tremendo estampanço no Parlamento, é o triste retrato de um homem de 59 anos que parece que nunca soube o que quer ser quando for grande. A não ser, ser importante, ser mais que os outros, como o poeta de Florbela.
Ser deputado da Nação é ocupação menor para o fundador da AMI. Nobre, que sonhara ser a primeira figura do Estado e avisou logo que nunca aceitaria ser menos do que o segundo na hierarquia nacional, saiu do Parlamento pela porta pequena e já sem o seu halo de santidade, deixado para trás das costas em estilhaços.
Ironicamente, a Wikipédia regista Fernando Nobre como "médico, activista, professor universitário e político português". Político português! A vaidade, o desastre que foi a sua breve passagem pela arena política, não pode apagar nem prejudicar sobretudo o seu trabalho humanitário de anos e anos. Foi uma pena, de facto, tudo o que ele se fez passar para tentar chegar ao poleiro mais alto. Nobre não merecia isto de si próprio. Até porque é certamente uma pessoa estimável, um português excelentíssimo. Mas peneirento.

P.S. - Publicado originalmente no dia 5 de Julho de 2011, sob o título "O peneirento". Fernando Nobre, que nunca me enganou, pretende agora ser um dos principais rostos do negacionismo antivacinas e antimáscaras em Portugal. Ainda havemos de o ver candidato do Chega...

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