O jornal Público
ensinou-nos aqui atrasado o que se deve fazer quando "um prato absolutamente
fenomenal (ou não tão fenomenal assim) chega à mesa." E então o que é
que se faz? "Come-se? Não, primeiro fotografa-se." E coloca-se no
Instagram. Depois, suponho, pede-se a continha, sai-se de casa ou do
restaurante chique, "mete-se" o boné e vai-se deglutir duas ou três
bifanas e uma avestruz à Conga.
Eu não sei o que é o Instagram (aliás cuidava que se chamava Instragam e
só mudei de ideias ainda agora depois do computador me corrigir
dezasseis vezes), e nem me aquece nem me arrefece que pensem que estou
a mangar. Sei é de cozinha e de jornalismo também não.
Quem escreve sobre gastronómicas matérias no jornal da Sonae vê-se que
tem inúmeros mestrados e consideráveis doutoramentos em Técnicas de
Titulagem, mas também se percebe que é gente que só entra na cozinha
para perguntar à mãezinha "o que é o comer". Não nego à partida que
estas senhoras e estes senhores jornalistas sejam experts em lasanha pré-cozinhada do Lidl ou em rissóis e alegados bolinhos de bacalhau
congelados do Pingo Doce, posto que fazem das tripas coração para que o
patrão não saiba. Falta-lhes é o resto, a basezinha, como diria o nosso
Eça, que, esse sim, sabia de mesa.
Vamos supor: um prato realmente "absolutamente fenomenal" como, não
vamos mais longe, um arrozinho de grelos com fanequinhas fritas. Chega à
mesa e tira-se-lhe fotografias em vez de se lhe garfar com toda a
galhardia? Então vou explicar o que se passa entretanto: o malandro do
arroz coalha, fica arroz de hospital, argamassa de atirar às paredes, e
as fanecas, esse peixinho tão honesto, esfriam, perdem a graça, afeiam-se, desapetitam-nos. Uma tragédia...
E atenção que as fanequinhas frias ainda vá lá, mas no tasco e no Verão.
E verão que tenho razão (esta veia poética que não me larga), quando
um dia perderem a cabeça e experimentarem, o Verão e o tasco. Já o
arroz segue directamente para o balde do lixo, tamanha dor de alma ainda
por cima nestes tempos agrestes de cotão nos bolsos.
Também é verdade: há pratos que são como a vingança, devem ser servidos
frios, e por isso até se chamam pratos frios. E estes podem ser fotografados à moda das sessões de casamento,
quero dizer: entre as oito da manhã e as seis da madrugada do dia
seguinte.
Quanto ao resto, por amor de Deus, fiquem quietos! Creio que posso dizer melhor: respeitosamente, comam
fotografias à vontade se, tipo, lhes souber bem, mas, por favor, não me
instagrem a comidinha a sério (à séria, se lido em Lisboa)...
Já agora: um tasco é um tasco. Uma tasca ou uma tasquinha são outra coisa...
P.S. - Publicado originalmente no dia 22 de Janeiro de 2017. De acordo com a mitologia grega, hoje, 20 de Agosto, é dia do Festival de Némesis, deusa da vingança. Némesis era, dito com mais rigor, a divindade grega que personificava a justiça implacável. Concedendo a cada um o que merecem as suas obras, era o símbolo do equilíbrio e da equidade. Punia especialmente a arrogância e a transgressão dos limites impostos à natureza humana.
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