Lendas, contava-as uma categoria a minha avó de Basto. Eram lendas
mansas, de embalar, metiam mouras encantadas, príncipes, penedos.
Penedos de morar, lembro-me bem e eu queria um. Eram contadas à lareira,
depois da ceia, com o vermelho do fogo a bailar-nos nas caras
espectrais, eu de olhos arregalados e boca aberta, uma e outra vez, como
se fosse sempre a primeira. Os efeitos especiais das lendas da minha
avó Emília - pequerrichica, bondosa, esperta, santa sem diploma e anjo sem asas à vista - foram
muitos anos mais tarde copiados pelo cinema americano. Até aquele famoso
jogo de sombras manipulado pela irrequieta chama da candeia, coisa
extraordinária e assustadora - era das lendas da minha avó. E o vinhinho
aquecido ao borralho com uma maçã assada lá dentro também, mas isso
parece que os filmes não aproveitaram.
Na manhã seguinte, pela fresca, íamos à lenha ao monte. Eu e e minha
avó, maravilhosa guardadora de lendas e tudo. E a Bó mostrava-me o
penedo, o exacto penedo da moura encantada, a frincha de entrada, não havia dúvidas. Ainda por
cima, as lendas da minha avó eram verdade, e éramos felizes para sempre.
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