Foi em Setembro que te conheci, òs anos, quando o aeroporto de Pedras
Rubras ainda nem se chamava aeroporto Praça Velásquez. Não havia
chopingues como agora, o FC Porto jogava na Madeira, com o Marétmo, e a
gente, eu mais o Sarafim, íamos passar um domingo de categoria a ouvir o
relato no tijolo do Sarafim e a esgravatar engate nas Departures e
Arrivals ou no terraço das excursões de nariz para o ar a verem aterrar e
levantar aviões, coisa linda. Tu também lá ias com os parolos dos teus pais, que por
acaso até me resultaram boas pessoas, e trazias a tua inseparável amiga
Benilde, em quem o Sarafim se pôs logo à primeira. Adiante. Foi lá que te vi pela primeira vez em toda a tua
excelsa Glória - Glória da minha terra, Glória de Sousa, Glória efémera
-, no bar do aeroporto, que era só um e parecia um tasco. Foi tiro e
queda: entrei caçador e saí caçado, apanhadinho de todo. Se calhar foi
amor aquilo. Lembro-me como se fosse hoje: eras linda, num vestido
justinho de chita às ramagens verdes estampadas, com umas sandálias
rasas, pois, talvez estivesses de calças de ganga e botas de cano alto,
mas toda coradinha e tão fresquinha. Tinhas uns olhos, uns olhos cor de,
de que cor são os teus olhos, Glória? Eu bebia uma Super Bock e tu
olhaste para mim mas eu não tive a certeza. Confirmaste-mo oito dias
depois, eu sozinho, o Sarafim nas Antas e ver o jogo contra o Beira Mar e
com a mão enfiada no quentinho gelatinoso da parreca da Benilde, e eu para ali, aos caídos,
abandonado como um cãozito sarnento, à espreita de um sinal, de um
sorriso, perdoa-me a poesia. Deste-me ambos os dois, e confirmaste-mo. Passaram portanto a ser ambos os três. Mas nada de avanços ou arrojos de parte a parte, o respeito é muito bonito e os
parolos dos teus pais, sem ofensa, gostavam muito, atenta e
vigilantemente. Levava eu já perdida quase toda a primeira volta do
campeonato, confortado pelos relatos do tijolo do Sarafim, "alô, Nuno!",
quando te dignaste, muito dissimulada, num aceno de cabeça, dar-me
sinal de
Follow me. Alvorocei-me para vos levar as gasosas à mesa, a ti, minha riqueza, e aos parolos dos teus pais, não desfazendo.
Perguntaste-me o meu nome e eu disse-te a verdade, mostrando-te o cartão
de sócio do FC Porto: Joaquim Maria dos Passos Eleutério, isto é,
Quitério. Admiraste-te: Joaquim Maria dos Passos Eleutério, isto é,
Quitério, que nome tão esquisito? E eu expliquei-te: quer-se dizer, o meu
pai era Eleutério, minha mãe era dos Passos, o padrinho Joaquim e a
madrinha Maria. Resulta realmente um nome desgraçado, desculpa-me a
expressão, e confesso que tentei esconder o enxovalho nominal assinando
Joaquim Eleutério, tinha esse direito, é de lei, mas nem assim me convenci. Que se
segue, agarrei no Joaquim e no Eleutério, meti-os na bimbe, depois na centrifugadora, espremi-os a ver o que davam, passei-os a ferro, meti-os no computador, simulei todas as combinações possíveis e imaginárias, e optei pela
criação, inventei-me: aproveitei as sobras, casei-as e rebaptizei-me
Quitério, que sempre é um nome assim mais coisa e tal. Mas chama-me Quim
e beija-me na boca. Não, não ligues, é uma brincadeiras cá das minhas.
Quê? O Sarafim e a Benilde, nunca mais os vi. Sim, fiquei com o tijolo
do Sarafim, e o que é que essa merda interessa para o nosso assunto?...
P.S. - O Aeroporto Francisco Sá Carneiro ou Aeroporto de Pedras Rubras ou Aeroporto do Porto foi inaugurado no dia 2 de Dezembro de 1945. Chamaram-lhe Aeroporto Internacional do Porto.
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