As mulheres da Cantareira
Naturalmente, antes de as manhãs
pegarem fogo a todas as palmeiras,
gastaram elas os perfumes nas rochas,
levaram os seus seios para as ondas,
lavaram os sexos no rio,
lavraram os limos com os lábios.
Anteriores às gaivotas,
desenharam o seu voo nas águas,
descrevendo na areia
o coleante deambular dos vermes,
vendidos no termo das semanas
aos amantes da pesca.
Virtualmente, antes de o Inverno
lhes mudar o semblante,
comer à sua mesa e violá-las,
elas eram só música,
trazendo, levando, conduzindo
todos os barcos pelo mar do seu corpo.
Mais antigas que os ventos e a paisagem,
muitas vezes fizeram de sereias,
de estrelas breves consumidas
em vinho ou em cerveja,
outras de frio aço e aguardente,
alguns momentos de tabaco loiro.
(São putas? São fidalgas? São senhoras?
Netas bastardas de Raul Brandão?)
Meigas, transparentes, adejantes,
antes de os elementos
cismarem em criá-las,
já elas eram feitas
como deusas cumpridas
em fumo, mito e névoa.
Como estátuas fenícias?
Como estátuas.
António Rebordão Navarro
(António Rebordão Navarro nasceu no dia 1 de Agosto de 1933. Morreu em 2015.)
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