segunda-feira, 1 de julho de 2019

Orlando da Costa 3

Poema de Orlando da Costa para Maria Lamas

Porque trazes na voz a voz das companheiras
Companheira te chamamos


Porque no teu olhar se alargam os olhos que semeiam e vigiam
o sol a todas as alturas, o sol dos meninos e das colheitas
Porque nele se tornam mais límpidos os olhos das namoradas
Companheira te chamamos


Porque nele gelam as lágrimas do medo e da dor
Gelam e estalam desfeitas num pranto de calor
Porque nos teus olhos continuam acesos os olhos vendados de encontro às paredes


Porque trazes no peito o sopro das nossas irmãs
O sopro resoluto do trabalho, o verde e dourado sopro que branqueia o pão
O sopro das que amam
E amando crescem e envelhecem ao nosso lado
Das que amam
E amando tombam em cada dia num só momento por milhões partilhado


Porque caminhas na terra dividida
Por uma estrada aberta pelo esforço dos povos
Onde cada presença é um apelo e cada apelo uma conquista
Porque até o sol remoça na neve tranquila dos teus cabelos
E o vento sopra-te com a mesma força que a nós
Companheira te chamamos


Porque as palavras na tua boca
Têm a medida do mundo e a face dos mortais
Porque no teu ventre a fome e a vida se completam
Porque no teu rosto fala o tempo até nós
Mãe te chamaríamos
Companheira te chamamos


"Sete Odes do Canto Comum", Orlando da Costa

(Orlando da Costa nasceu no dia 2 de Julho de 1929. Morreu em 2006.)

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