terça-feira, 23 de outubro de 2018

Ramalho Ortigão 6

Por detrás do cancelo do quinteiro, no mato fofo das enchidas, por baixo da ramada, ao lado das mais humildes cabanas, vê-se a porca ruça esfoçando a estrumeira, o galo branco cacarejando satisfeito, empoleirado na padiola, na escada de mão encostada à parede do cortelho ou no caniço do carro; e o podengo amarelo, de orelha bicuda, ladra da porta de casa ou de cima do muro, mostrando a quem chega os dentes anavalhados e o grande rabo em ponto de interjeição.
Não há adega, não há despensa, não há fogão de cozinha. A panela preta de barro de Prado ferve solitária sob o testo no pequeno lar enfumarado, à fogueira de cepas e de agulhas de pinheiro, entre os dois escabelos de castanho. Mas há broa em todos os balaios à porta do forno, há toucinho ou há unto, pelo menos, em todas as salgadeiras, há azeitonas no cântaro da salmoeira, há um ovo para pôr a cada galinha choca, uma braçada de erva para cada boi, uma côdea para cada cão, uma rasa de milho para cada fornada, uma estriga para cada roca, uma leira para cada enxada. 

"As Farpas", Ramalho Ortigão

(Ramalho Ortigão nasceu no dia 24 de Outubro de 1836. Morreu em 1915.)

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