domingo, 10 de dezembro de 2017

Clarice Lispector 5

O triunfo

O relógio bate 9 horas. Uma pancada alta, sonora, seguida de uma badalada suave, um eco. Depois, o silêncio. A clara mancha de sol se estende aos poucos pela relva do jardim. Vem subindo pelo muro vermelho da casa, fazendo brilhar a trepadeira em mil luzes de orvalho. Encontra uma abertura, a janela. Penetra. E apodera‑se de repente do aposento, burlando a vigilância da cortina leve.
Luísa continua imóvel, estendida sobre os lençóis revoltos, os cabelos espalhados no travesseiro. Um braço cá, outro lá, crucificada pela lassidão. O calor do sol e sua claridade enchem o quarto. Luísa pestaneja. Franze as sobrancelhas. Faz um trejeito com a boca. Abre os olhos, finalmente, e deixa‑os parados no teto. Aos poucos o dia vai‑lhe entrando pelo corpo. Ouve um ruído de folhas secas pisadas. Passos longínquos, miúdos e apressados. Uma criança corre na estrada, pensa. De novo, o silêncio. Diverte‑se um momento escutando‑o. É absoluto, como de morte. Naturalmente porque a casa é retirada, bem isolada. Mas… e aqueles ruídos familiares de toda manhã? Um soar de passos, risadas, tilintar de louças que anunciam o nascimento do dia em sua casa? Lentamente vem‑lhe à cabeça a ideia de que sabe a razão do silêncio. Afasta‑a, contudo, com obstinação.
De repente seus olhos crescem. Luísa acha‑se sentada na cama, com um estremecimento por todo o corpo. Olha com os olhos, com a cabeça, com todos os nervos, a outra cama do aposento. Está vazia.
[...]

"Todos os Contos", Clarice Lispector

(Clarice Lispector nasceu no dia 10 de Dezembro de 1920. Morreu em 1977.)

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