Paisagem
Pode um cego descrever
uma paisagem, já que
lhe falta, não vou negar,
a vantagem de enxergar?
Tentarei, pois cego sou,
descrever uma paisagem,
segundo alguém me narrou.
Disse-me Clara que havia
estrada longa subindo
a velha cerca de varas
uma colina subindo,
prendendo bois na pastagem,
quanto mais longe da estrada.
Lento regato passava
sob a ponte ali plantada
por cima da qual passavam
muitos homens e mulheres,
como Clara me contava.
Paisagem em movimento,
cena se desenrolando:
era Clara quem dizia.
Não se trata de um quadro
onde tudo fixo estava,
pois a paisagem de Clara
tinha noite e tinha dia,
tinha tarde e madrugada,
como Clara me contava.
Uma paisagem de Clara
é simples. Pergunto a Clara:
Por que não falas das cores:
Será que um cego não tem
o privilégio das cores?
Clara me diz que entre as cores
da paisagem que ela avista
há uma bem espalhada
que os bois mansos vão comendo,
além da que o vento leva
recolhendo-a das estradas.
A nesga do céu que cobre
a paisagem, não importa,
muda de cor à distância,
como Clara me contava.
Por isso Clara, que diz
ser clara, mas amor não
tem cor, sem deixar de ser
real, esconde-me cores,
com o que não faz um mal.
Não se esquece de contar
que a paisagem é mui bela.
Assim descrita por Clara,
pois conforme ela me conta
há pouca coisa mais linda
do que dizer a um cego
a linguagem da paisagem de Clara,
enquanto nós nos amamos,
é paisagem sem igual.
Clara é toda uma paisagem
que minhas mãos descobriram.
Jesus Barros Boquady
(Jesus Barros Boquady nasceu no dia 22 de Abril de 1929. Morreu em 2002.)
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